Para onde caminhamos?

OPINIÃO - Arlette Piai

Data 22/05/2018
Horário 08:10

Sobrou até para as galinhas! Há anos fui conhecer uma granja. Vi as galinhas encarceradas onde mal podiam se mexer, luzes acesas, técnicas para que elas comessem mais do que podem,  pernas curvadas em microcelas. Assustei e prontamente perguntei ao granjeiro quando elas saem para ciscar. A resposta foi um riso acompanhado de outra pergunta: “A professora não conhece granja?”. De fato eu não conhecia e nunca imaginei um mundo tão cruel que a tecnologia pudesse oferecer às galinhas. Justifiquei que essas aves nasceram para ser livres, para ciscar, para empoleirar. Completei dizendo que galinhas alienadas e infelizes não podem oferecer alimentos saudáveis. Saí daquele local questionando onde fica o respeito à dignidade das galinhas. Procurei uma ONG (organização não-governamental) defensora dos direitos dos animais para levar minha denúncia. Não deu resultado.

O que se vê é que a tecnologia adentrou da zona urbana à rural em todos os cantos do planeta. Nos campos, motos e outros motorizados cercam o gado, transportam materiais, ajudam nas construções e transportes, e acabaram também tirando o emprego dos jegues. Esses animais oriundos do Egito são tão meigos e tão dóceis que inspiram trovadores e poetas como canta os versos de José Pedroso: “da mesma forma que a máquina tira do homem o ganha-pão, essa tal motocicleta é um bicho sem coração, porque traz desassossego, tirando o emprego do jumento, nosso irmão”. 

Pois é, os jegues brasileiros não só perderam os empregos, eles estão também caindo na panela dos chineses. A China abate mais de 3 milhões de burros por ano para alimentação e dizem não se importar com o lero-lero dos trovadores. O nordeste foi praticamente construído pelos jegues, que hoje recebem aposentadoria compulsória e, com ajuda dos “braços do Estado”, partem para o abate. Isso traduz nosso “estado civilizatório”, retratando a chegada do progresso cantado por políticos, mas que simboliza a ineficiente política de fixação do homem ao campo. O resultado são as cidades inchadas, barulhentas, com povo mais leniente enquanto os campos se esvaziam. É a busca pela felicidade empacotada. Será esse o benefício do progresso?  Historicamente tivemos o teocentrismo, depois o antropocentrismo, hoje, vivemos a grande sacralização tecnocentrismo. 

No processo evolutivo da humanidade surge o questionamento: “Para onde caminha a vida?” A resposta parte do pressuposto de que a máquina transformou-se na grande deusa do século 21, só depois vem a vida, a reboque. Da certeza de que a tecnologia é filha da ciência, mas que cientistas movidos pela vaidade pessoal trilham trilhos perigosos para a humanidade. Muitos deles lembram “Alice no País das Maravilhas”, esta quando questionada para onde ir, responde: “Não importa para onde”. Como Alice, alguns cientistas também caminharam aleatoriamente “sem se importar para onde”, a consequência foi a criação das bombas atômicas, bombas de hidrogênio, o arsenal atômico da indústria bélica. E agora, para onde?... Parafraseando Charles Chaplin: “Necessitamos mais de humildade que de máquinas, mais de sensatez que de ciência, mais ética que de progresso, mais de ternura que de inteligência; porque sem esses atributos a vida pode se perder”.

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