Pai músico enxerga as filhas com o coração

Pedro Graciotti, casado com a psicóloga Daniela Nunes, ambos cegos, perdeu a visão com 40 anos e nunca viu o rosto de suas pequenas, Beatriz e Amanda

PRUDENTE - WEVERSON NASCIMENTO

Data 11/08/2019
Horário 09:32
José Reis - Cegueira não é fator limitante para que casal cuide com autonomia das filhas - Bia (foto) é a mais velha
José Reis - Cegueira não é fator limitante para que casal cuide com autonomia das filhas - Bia (foto) é a mais velha

Para quem enxerga, a deficiência visual pode ser vista com uma “barreira”, ainda mais quando é adquirida ao longo da vida. Mas para quem convive com ela, para ser feliz, o fundamental é o enxergar com o coração. E é com o coração que o músico autônomo Pedro Afonso Graciotti, 52 anos, morador de Presidente Prudente, descreve as filhas. “A Beatriz é bochechudinha, narizinho pequeno e cor de jambu. Ela se parece mais com a mãe. A Amanda já é mais grandinha e branquinha”. Para tanto, é nesse clima de celebração que trouxemos, nesta edição, o relato de gente humilde, que sonha, que vibra e idealiza sem barreiras.

Namorar, casar e ter filhos é uma meta para muitas pessoas, algumas sonham durante toda a vida com esse propósito, mas antes de introduzir Pedro como pai, falaremos do Pedro como esposo. Quando o músico perdeu a visão, com 40 anos [quadro de alta miopia], decidiu ir para uma associação, até para se sentir melhor. Quando chegou ao local, relata que se tornou um frequentador assíduo da internet, onde conheceu a esposa Daniela, também com deficiência visual adquirida. “Começamos a conversar e eu me interessei por ela e ela por mim, então, começamos a namorar virtualmente. Depois disso, eu vim conhecê-la em Prudente na cara e na coragem, embora eu já tivesse vindo aqui quando enxergava, em 1987”. Depois de idas e vindas os laços se entrelaçaram entre o casal que nunca viu, se é que assim podemos definir aqueles que veem com coração. E foi desse amor que não se vê, mas se sente, que nasceu a pequena Beatriz.

No caso de Pedro, ele já tinha outros cinco filhos antes do casamento com Daniela, mas relata que ao saber que seria pai novamente, o primeiro sentimento que surgiu foi o medo. “Eu já tinha outros filhos, mas não no estado total de cegueira. Com o tempo, depois que a Bia nasceu, eu entendi que a cegueira não me podou em nada, eu me adaptei a ela e não deixei que ela fosse mais forte do que a minha própria vida”.

Paternidade

Hoje, o músico também é pai da pequena Amanda com apenas 10 dias de nascida, e relata que a importância de ser pai vai muito além do que os olhos podem enxergar. “Eu acho que o fato de você ser deficiente não muda as vontades, desejos e sonhos. Nós tínhamos vontade de ter a nossa família, como todo mundo, e hoje essas crianças se tornaram a alegria da casa”.

Segundo a esposa e psicóloga Daniela Cristina Santos Nunes, 29 anos, a parte mais difícil ao encarar a maternidade foi o respeito das pessoas. “O mais difícil não é nem cuidar da criança, trocar fralda ou dar banho, o mais difícil é fazer as pessoas entenderem que nós somos os pais e que mesmo que a gente não veja, aprendemos a cuidar dos nossos filhos”.

Na casa de corredores largos, o casal cuida das duas filhas e tem uma vida de total independência, embora a sogra que mora a poucas quadras ajudar no que é preciso. Pela manhã, a pequena Beatriz vai para a creche enquanto Pedro segue até o calçadão tocar sua guitarra. Daniela, por vez, se define uma psicóloga que trabalha sendo mãe e, assim, a família do 935 caminha como toda e qualquer família. “Temos autonomia de tudo, meus filhos me ensinaram novamente a ser pai”, diz Pedro.

É muito difícil estar no local, escrever este texto e não se emocionar. Quanto ao destino das duas crianças, ambas enxergam, pois a deficiência visual dos pais foi adquirida ao longo do tempo.

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