PADRE JEAN-LUC: VIDA MISSIONÁRIA

Jovem africano está completando cinco anos de Brasil, dois dos quais em Prudente e com atuação religiosa e social em comunidades católicas da zona leste

PRUDENTE - HOMERO FERREIRA

Data 01/12/2019
Horário 06:19
Paulo Miguel - Aos 11 anos, Jean-Luc intercedeu por sua avó, que se curou de doença grave e isso foi um grande sinal para a vocação religiosa
Paulo Miguel - Aos 11 anos, Jean-Luc intercedeu por sua avó, que se curou de doença grave e isso foi um grande sinal para a vocação religiosa

É bem provável que a determinação sustentada na fé cristã seja o principal motivo da experiência humana do jovem missionário que atravessou o Atlântico para viver em um país desconhecido, em um lugar incerto e sem falar uma palavra sequer do idioma do lugar de destino. Foi exatamente isso que aconteceu ao padre Jean-Luc Luki Musulu, que há dois anos trabalha com sete comunidades católicas de Presidente Prudente, todas localizadas na zona leste, região com várias carências de políticas públicas efetivas.

Já são quase cinco anos de Brasil, a completar em dezembro. Sua procedência é Kinshasa, a capital da República Democrática do Congo. País da África Central que, apesar da palavra democracia, tem uma história marcada por problemas sociais e conflitos armados. Somente em 1960 teve sua independência da Bélgica, daí o fato de ter como idioma oficial o francês. Da população de mais de 88 milhões de habitantes, 12 milhões vivem em Kinshasa, o mesmo número da população de São Paulo.

Filho do comerciante Alfred Musulu e da professora Leontine Woronkna, o padre tem cinco irmãos legítimos, sendo o mais velho, nascido em 1980.  Tem 83 meio-irmãos, por parte de pai. Jean-Luc aos três anos de idade foi viver com os avôs maternos. Aos 11 anos viveu incrível experiência que seria o marco inicial de construir a trajetória religiosa, cuja formação de padre passou por seminários diocesanos e foi consolidada na congregação São Vicente de Paulo, com votos de pobreza, castidade e obediência.

O PODER

DA ORAÇÃO

Sua avó contraiu uma doença grave e não diagnosticada, ao ponto de ter que viver isolada em sua própria casa. Mas o menino não aceitou deixá-la sozinha. Insistiu e ficou; contrariando as recomendações médicas. Dormia com a avó, na cama dela. Numa noite, sonhando em voz alta pediu a intercessão de Deus. Só soube disso de madrugada, quando ela contou. Em menos de duas semanas, a enfermidade desapareceu. Era uma espécie de lepra, cujas feridas pelo corpo simplesmente desapareceram.

Cerca de dois meses após esse episódio, na visita do padre jesuíta Dipont surge a pergunta: o que pretende ser quando crescer? A resposta do menino foi imediata: “eu queria ser como você”. No ano seguinte, após concluir o ensino primário em Kinshasa, aos 12 anos de idade, foi enviado a Kikwit, a capital da província de Kwilu, com população de mais de 370 mil habitantes e que em 1995 sofreu com uma epidemia do vírus ebola. Foi lá que fez dois anos do ensino colegial, em internato católico.

Por orientação dos padres do colégio, trocou os estudos regulares pelo Seminário Diocesano Menor de Kinzambi, na mesma cidade. Ao completar 18 anos foi a Kinsahasa, para três meses de férias na casa de sua mãe. Voltou a Kikwit e foram três anos de filosofia no Seminário Maior St Augustin de Kalonda. Em 2001, fez um ano de estágio na Paróquia de Soa, bairro rural de trabalhadores em lavouras de milho, amendoim, mandioca, tomate e legumes. No ano seguinte deixou a vida diocesana.

CONGREGAÇÃO

DOS RELIGIOSOS

Após um mês de férias, conheceu em Kinshasa a Congregação dos Religiosos São Vicente de Paulo, que leva o nome desse sacerdote francês (1581 a 1660) que na infância foi guardador de porcos e escravo de mulçumanos dos quais se libertou, se converteu ao cristianismo, aos 19 anos foi ordenado padre, foi um dos protagonistas da reforma católica na França do século 17 e declarado santo pelo Papa Clemente XII. Sua dedicação era aos pobres, especialmente aos que sofriam as aflições da miséria.

Jean-Luc assumiu essa bandeira religiosa e fez estágio de acompanhamento espiritual durante 1 ano, após o que passou na prova para sua admissão em estudos na congregação, com mais 1 ano de estágio e 2 de aspirantado, quando novamente fez Filosofia em 2005 e 2006 para obter o diploma da Pontifícia Universidade Urbaniana, que tem sede em Roma. No ano seguinte começou o noviciado e fez o 1º voto, com a promessa da vida de pobreza, castidade e obediência, passando a ser membro efetivo.

Dentro de todo um rigor, de 2007 a 2010 fez os votos temporais, pelos quais poderia sair ou ser mandado embora, culminando com o voto perpétuo de ser religioso até a sua morte e vivendo na congregação. No ano seguinte de sua ordenação como diácono, em 2011 ingressou no mestrado em direito canônico, obtendo o título de mestre ao final de quatro anos na Universidade Católica do Congo, em Kenshasa. Em 22 de setembro de 2013 foi ordenado padre. Em 2014 iria trabalhar na Casa de Formação.

Porém, em repentina mudança da ordem superior em dezembro daquele ano chegava ao Brasil, a quase 7 mil km de seu país. Pela TV sabia do futebol e por fotos conhecia alguns irmãos brasileiros, nada além sobre o seu novo destino. Inicialmente, foram 30 dias de acomodação na sede da congregação em Marília (SP) e dois meses de estudo intensivo da língua portuguesa em centro de acolhimento para estrangeiros em Brasília (DF). Naquele ano de 2015 foi nomeado vigário da Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Brasilândia, distrito na zona norte do município de São Paulo.

ATENÇÃO

AOS POBRES

Aos 25 anos de idade, Jean-Luc foi viver a realidade não muito diferente de seu país de uma das localidades de maior densidade demográfica do Brasil, com mais de 12,6 mil habitantes por km² e população de 264,9 mil habitantes. Para se ter ideia, em Presidente Prudente, cidade onde chegou em 5 de fevereiro de 2018, a densidade atual é de 403 habitantes por km², com a população de 227 mil habitantes. São dados que dão noção do que o jovem padre viveu em São Paulo, pois a enorme concentração humana é por si só geradora de problemas estruturais e conflitos sociais.

Mas na Paróquia de São Pedro, em Prudente, ainda que a densidade seja muito menor, as condições de vida são precárias para muitas pessoas e grande parte delas encontra amparo espiritual e social na matriz e em seis capelas espalhadas por bairros periféricos da zona leste, atendidas por três padres e um frei. Jean-Luc ainda celebra missas na capela do Colégio Cristo Rei, mantido por irmãs beneditinas, e na Creche Walter Figueiredo, mantida por irmãs franciscanas. Na área administrativa, tem feito reformas e construções, contando com a ajuda da comunidade.

A atuação sacerdotal e a mobilização comunitária incluem visitas domiciliares. Há um trabalho intenso, quase diuturno. As relações humanas têm suas complexidades, ainda que o ciclo da vida seja o mesmo para todos: nascimento, vida e morte. As mudanças constantes do ser humano têm levado a comportamentos fora da linha de Deus, conforme constatação do padre, que cumpre a difícil missão de dar alegria e procurar ser feliz onde está, mas que tem desejo de voltar ao seu país para fazer o doutorado. Porém, convicto de que pode pensar nisso, mas quem decide é Deus.

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