O poder de quem tem caneta cheia

OPINIÃO - Gaudêncio Torquato

Data 13/11/2019
Horário 04:49

O pre­sidencialismo de coalizão no Brasil terá vida longa? A interrogação leva em conta a propensão do atual governo em manter certa distância dos representantes políticos temendo pressão por espaços e cargos na estrutura. A esfera parlamentar, observa-se, quer ganhar proeminência e maior independência do Executivo. Aliás, nessa direção age o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ao procurar impor a pauta dos deputados e levar adiante um avançado programa reformista.

Há uma premissa verdadei­ra, mas desprezada pelo presidente Bolsonaro: “quanto mais extensa a aliança em torno do Executivo, maior a probabilidade do governante administrar sismos nas frentes congressuais e garantir a governabilidade”. Siglas e blocos, sob essa ideia, teriam largo espaço na condução do país. Essa relação de troca tem sido medida histórica do equilíbrio entre os dois Poderes. O presidencialismo de coalizão alimenta-se da base política e esta come do seu pasto para engordar. Mas Bolsonaro considera essa hipótese como “velha política”.

O presidencialismo mitigado, ou um parlamentarismo à moda francesa, até foi tentado pelo presidente Michel Temer, que, de certa forma, governou com o Parlamento. Mas o DNA do presidencialismo está bem presente em nossa cultura política. A semente presidencialista viceja em todos os espaços. O termo presidente faz ecoar grandeza, forma associação com a aura do Todo-Poderoso, com as vestes do monarca, com a caneta do homem que tem influência, poder de mandar e desmandar.

O culto à figura do presidente e, por extensão, a outros atores com o poder da caneta faz parte da glorificação em torno do Poder Executivo. A disposição monocrática de exercer o poder vem, no Brasil, desde 1824, quando a Constituição atribuiu a chefia do Executivo ao imperador. A adoção do presidencia­lismo, na Carta de 1891 – que absorveu princípios da Carta americana de 1787 –, só foi interrompida no interregno de 1961 a 1963, quando o país passou por ligeira experiência parlamentarista.

O civismo e o sentimento de participação fica­ram adormecidos por muito tempo no colchão dos benefícios sociais. Imaginar que o parlamentarismo terá chance só mesmo ante uma ruptura mais acentuada entre o Executivo e o Legislativo. E com a aprovação popular. Por enquanto, temos de conviver mesmo com o fardão presidencialista.

  

 

 

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