O medo e suas vicissitudes

 

Onde mora o medo? Ele está fora ou dentro de nós mesmos? O medo tem forma, cheiro, cor ou gosto? Quem não tem medo, levanta a mão? Há momentos em que o medo é bem pequeno, outros, bem grande. Há medos paralisantes e aprisionantes. O que fazer diante do medo? O nosso corpo sabe muito bem o que fazer diante de uma cobra que surge de forma surpreendente. Ainda bem que existe o medo. Nosso corpo se prepara para a luta e fuga. Já percebeu como fica diante de um cachorro feroz, que corre atrás de você? Coração acelerado, pupila dilatada, sudorese, panturrilha a postos, formigamentos nas periferias, a garganta fica seca, etc. O corpo perde a capacidade de homeostasia por um tempo. Há um pequeno desequilíbrio passageiro.

O medo é um bem necessário. É uma forma de preservação da vida. Há o medo normal e o patológico. Ficamos persecutórios ou perseguidos pelo medo. Todo medo excessivo, sem sentido, que chega a paralisar ou aprisionar tem um significado simbólico oculto. Devemos investigar. Há respostas. O medo excessivo de aranhas, não é bem de “aranhas”. É muito mais complexo do que se imagina. É assim, como no sonho. Quando se sonha com muitas roupas amarrotadas dentro do guarda-roupa, nada tem a ver com a roupa amarrotada. Sofrem disfarces, distorções, condensações ou deslocamentos que precisam ser interpretadas.

O transtorno de pânico é um exemplo de um estado de medo em que não se sabe do que é e de onde surge. Não há um objeto especifico. O pânico é como um terremoto que vem tirando tudo do lugar e demora a retornar ao normal. Desestabiliza o individuo e toda sua prole. Precisamos distinguir muito bem nosso pensamento entre a realidade e a fantasia. Ficamos persecutórios diante de fantasias terroríficas que nós próprios criamos. O pânico passa a ganhar personificação. Uns dizem: “não quero vê-lo nunca mais, ele poderia me deixar em paz, não durmo direito, pois tenho medo dele voltar”, etc. Não duvidem das queixas de quem fala para você, que tem medo ou pânico. Dê continência e acolha.

Dias atrás, conversava sobre o excessivo medo (fobia) de altura com uma pessoa, ela dizia não querer ir à praia ou montanhas em decorrência de curvas dos morros ou serras. Não conseguia se soltar e relaxar. Resolveu que nunca iria. Mas foi gradativamente enfrentando esse obstáculo. Com tratamento especifico para fobias e transtorno de pânico, foi superando. Quando ela disse que “nunca mais voltaria lá”, fez todo um sentido em seu tratamento porque “aquela” nunca mais voltaria. Quem iria retornar, era “outra”, transformada e com expansão psíquica, porque resolveu enfrentar seus medo e pânicos. Quem está lá na serra e montanhas não é mais “aquela” medrosa e sim “outra”, com muito mais fortalecimento e recursos internos. Ela pôde observar que sua fobia não fazia sentido e que estava privando-se e também sua família do maravilhoso contato com a natureza e com a emoção que tudo aquilo provocava.

O percurso melhor para lidar com fobias e transtorno de pânico é o enfrentamento. São muitos os caminhos que o medo percorre. Mia Couto, em seu texto “Murar o medo”, diz assim: “Há muros que separam nações, há muros que dividem pobres e ricos. Mas não há hoje no mundo muro que separe os que têm medo dos que não têm medo. Sob as mesmas nuvens cinzentas vivemos todos nós, do sul e do norte, do ocidente e do oriente”. E assim, complementando, diz Eduardo Galeano acerca do medo que é global: “Os que trabalham tem medo de perder o trabalho. Os que não trabalham tem medo de nunca encontrar trabalho. Quando não tem medo da fome, tem medo da comida. Os civis tem medo dos militares, os militares tem medo da falta de armas, as armas tem medo da falta de guerras”. E, se calhar, acrescento agora eu, há quem tenha medo que o medo acabe.

 

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