O julgamento

OPINIÃO - Luiz Paulo Jorge Gomes

Data 23/02/2019
Horário 05:00

Decididamente, diante de tantos tropeços, flagrantes ilicitudes, crise econômica sem precedentes, o Brasil tem atravessado por um momento ímpar em sua história. Jamais, em momento algum, houve tamanha oportunidade de reflexão e, consequentemente, de se reconstruir. Fernando Pessoa, dentre tantos ensinamentos que nos deixou, um em especial se oportuniza nesse momento: “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.

Faço essa observação pelo fato de que não há como mudar uma realidade, senão precedentemente alteramos a atitude daqueles que a vivenciam. Não há como exigir um País sem corrupção, sem antes eliminarmos os corruptores. E aqui, não me refiro aos sofisticados esquemas criminais, antes, muito antes, estão aqueles “ditos” banais do cidadão comum. Talvez, nesse novo tempo, atitudes que demonstram responsabilidade, ética, educação, caráter, comprometimento, já não mais serão objeto de elogios pela sua demonstração, justamente pelo fato de que muito antes de serem adjetivos, se perfazem em verdadeiras obrigações de qualquer ser humano civilizado.

Contudo, em momentos como esse em que há uma grande quantidade de julgamentos dos mais variados assuntos e complexidades sendo realizados, fazendo com que o Poder Judiciário tenha que se manifestar e decidir situações que originalmente não seria da sua competência, temos que ter especial atenção para que o envolvimento de cada um de nós se limite exatamente naquilo que nos é peculiar.

Com isso, evitamos os excessos e, principalmente, se cria a relevante e basilar consciência de respeito às individualidades, no sentido de ter a especial percepção de que o direito de cada um se limita exatamente, no tempo e no espaço, no direito do seu próximo. Desta forma, por mais que nos pareça certa ou errada a atitude de determinada pessoa, muito antes de julgarmos, nunca devemos nos esquecer de que para todo fato que nos é contado, sempre existirão três verdades: aquela da pessoa que lhe confidenciou; uma outra da pessoa envolvida no respectivo episódio; e uma terceira, que muito provavelmente será a real.

Isso não se deve, exclusivamente, pelo eventual descomprometimento do narrador com a realidade dos fatos, mas principalmente pela circunstância de que o nosso olhar sobre determinado acontecimento está totalmente relacionado pelo sentimento envolvido de cada um. E essa circunstância não se difere apenas pelas características individuais de cada ser humano, mas também pelo momento de vida que cada um está presenciando. Assim, indubitavelmente, a aparência dos fatos, não traduz literalmente a sua substância, por maior que seja a lealdade do seu narrador.

A esse respeito, não há como não se lembrar das doces, porém incisivas palavras de Clarice Lispector: Antes de julgar a minha vida ou o meu caráter, calce os meus sapatos e percorra o caminho que eu percorri, viva as minhas tristezas, as minhas dúvidas e as minhas alegrias. Percorra os anos que eu percorri, tropece onde eu tropecei e levante-se assim como eu fiz. E então, só aí poderás julgar. Cada um tem a sua própria história. Não compare a sua vida com a dos outros. Você não sabe como foi o caminho que eles tiveram que trilhar na vida.

Ora, o julgamento, judicial ou pessoal, não se encerra em seu próprio ato. Em ambos, há um encadeamento de efeitos que, muitas vezes, extrapolam os limites previstos. Entretanto, no julgamento judicial, ao acusado é dado o constitucional direito à ampla defesa e ao contraditório. No julgamento pessoal não. Em grande parte dos casos, aquela verdade posta como única (que verdadeiramente não é) gera todos os seus peculiares efeitos, previstos ou não, legítimos ou não, e para esse caso não existe outro instrumento que não guardar a fé em Deus, na verdade e no bem para que, através do tempo, aquela terceira verdade (a real) se demonstre clarividente.

Por todo o exposto, o desejo é que possamos fazer da nossa vida uma grande viagem em que o destino não está em sua chegada, mas em cada um dos trechos que nos levam a ela, fazendo deles a grande aprendizagem com o percurso da nossa história, na nítida certeza de que somos muito mais do que aquilo que nos dizem ser. Somos, em nossa essência, aquilo que vemos, aquilo que sentimos.

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