O estupro da infância

Nós profissionais, envolvidos com saúde mental ou funcionamento psíquico, como psicanalistas com formação em instituições legais; psicólogas clínicas com formação; psiquiatras com anos de estudos em medicina e residência especifica; psicoterapeutas de orientação analítica com formação presencial, etc., temos que ficar atentos às possíveis invasões de certas “terapêuticas consideradas liquidificadas ou instantâneas”, que estão tentando atuar no campo de atendimento às crianças que foram submetidas à violência ou abuso sexual, ou qualquer outra psicopatologia de transtornos diversos. Despreparadas, desqualificadas, sem exigência do cumprimento de anos e anos de estudos presenciais, tentam mexer com assuntos de alta complexidade, causando um caos na mente já lesada por atos de extrema violência, que é o abuso sexual na infância.

Considero outro estupro ao lidar com o estupro na criança quando quem faz o atendimento é um profissional que não domina com seriedade, profundidade, conhecimento, profissionalismo, técnica, teoria e prática. Os pais deveriam ficar muito atentos e ter uma postura epistemológica e crítica quando precisam buscar atendimentos profissionais de quaisquer áreas, e principalmente dessa área da saúde mental. Façam investigações, informações sobre a formação, abordagem e linha de estudo do profissional. Não entreguem seus filhos em mãos de desconhecidos porque cobram mais “barato”. Há profissionais sem formação e conhecimento, desqualificados, inadequados, abrindo “consultórios”, facilitando a entrada, mas não dando conta da forma pela qual o funcionamento psíquico tornou-se, ao mexer nas “feridas”.

Quantas crianças são vitimas de abusos sexuais e violência doméstica por parte de um ente familiar. A criança tem fé na bondade dos pais e outros familiares. A estrutura da maldade se baseia na violação dessa fé. Ao sofrer abuso, a criança vivencia algum tipo de morte em sua psique. Entretanto, em sua vida adulta esta pessoa sentirá uma permanente presença de uma forma especial de dor, interminável. É uma morte das possibilidades de futuro que poderiam ter sido vividas com a família onde tem o abusador. É importante ter dentro de si, fé em uma época em que tudo estava bem. Mexer com os traumas e problemas quando as pessoas encontram-se frágeis, sensíveis, vulneráveis, todo mundo sabe, o importante é o que fazer com o estado psíquico que a pessoa permanece após a invasão sem preparo.

Caos e terror precisam ser contidos por profissionais que tem capacidade de reveriê. Há conteúdos mentais impensáveis necessitando de continente com capacidade e um aparelho para pensar os pensamentos que estão vagando, perdidos e soltos. Precisam ser contidos, digeridos, ressignificados, essencialmente simbolizados e, na parceria ao longo de um tempo, com confiança e ética, transformados. Para tornar-se psicólogo, são necessários cinco anos de faculdade, estágios e muitas especializações ou pós-graduações. Há pessoas que fazem cursinhos breves e abrem “portinhas”. Mas para tratar de uma vitima de abuso sexual ou algum outro trauma relacionado, precisamos ter um aprofundamento teórico e prático, e muitos anos de estudo sobre sexualidade, psicanálise, transtornos psicopatológicos, direitos humanos, ética, relações de gênero, perversões, neuroses, psicoses, dinâmica familiar, psicofarmacologia, ganhos secundários, direitos humanos, terapia de casal e familiar, ludo terapia, etc.

Reflitam muito sobre algum profissional que venha sugerir a você um “pacote” de sessões e que, em poucos dias, ou meses, ficará maravilhosa, motivada, ego inflado ou integrado. Há alguns cursos e tratamentos modernos atualmente que só não prometem que não irá morrer, de resto, ludibria em tudo. Cuidado! São terapêuticas do faz de conta. Comparamos com os livros de autoajuda. Você lê agora, fica feliz por uns segundos e o seu real sintoma continua ou, quando não, desloca para outra instância. Fica reverberando até encontrar um profissional de verdade. Claro que, se houver tempo. Muitas vezes o estrago é grande feito por “profissionais” que querem fazer o que não estão aptos, habilitados e capacitados.

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