Movimento descendente

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 27/01/2019
Horário 07:05

O amigo de um amigo meu recordou-lhe uma frase de significado inquestionável. “As montanhas não se encontram. As pessoas, sim”. Se há coisas definidas/estáticas, outras tantas, não. Se nalgumas situações a escolha não nos é tão possível, noutras, sim. No livro “Cartas a Marcos acerca de Jesus”, Henri Nouwen (autor que muito aprecio) escreve carta ao seu sobrinho Marcos –à época com 19 anos– mostrando-lhe como “viver uma vida espiritual num mundo material”. Publicado em 1987, acesso a edição das Paulinas Portugal de julho de 2017. O que vai a seguir é a citação do capítulo/carta IV – “Jesus: o Deus que desce”.

O Evangelho de Jesus é um evangelho de paz e alegria, não de autodesprezo, de tormentos autoinfligidos. A via descendente de Jesus [Abaixou-se até a nossa condição humana] é o caminho para um novo companheirismo em que os seres humanos podem alcançar nova vida e celebrá-la juntos com alegria. Como é possível que o caminho descendente de Jesus dê origem a um novo tipo de comunidade, enraizada no amor? É muito importante que compreendas isto a partir de dentro, para que o desejo de seguir Jesus na via descendente possa gradualmente crescer em ti.

Como sabes, apenas vou à Holanda ocasionalmente, pelo que as mudanças tocam-me mais, forçosamente, do que se eu lá vivesse o tempo todo. Notei uma coisa em especial: a prosperidade crescente não tornou as pessoas mais amigas umas das outras. Elas estão melhor; mas a riqueza recém-conquistada não resultou num novo sentido de comunidade. Fiquei com a impressão de que as pessoas estão mais preocupadas com elas próprias e têm menos tempo para os outros do que quando não possuíam muito. Há mais competitividade, mais inveja, mais cansaço e mais ansiedade. Há menos oportunidades de descontração, de uns estarem com os outros informalmente, de gozarem as pequenas coisas da vida. O sucesso isolou imensa gente e tornou-as solitárias. Parece que as pessoas só se encontram quando se cruzam umas com as outras a caminho de algo ou de alguém.

Há sempre algo mais importante, mais urgente, de maiores consequências. As coisas ordinárias, simples, pequenas, caseiras, têm de abrir caminho entre aquilo que anseias mesmo fazer: aquele filme que deves ver, o país que simplesmente tens de visitar e este ou aquele evento a que tens mesmo de assistir. E quanto mais alto subires na escada da prosperidade, mais difícil é estar juntos, cantar juntos, rezar juntos e celebrar a vida num espírito de ação de graças.

É tão espantoso, por isso, que na Holanda e noutros países prósperos, haja tantas pessoas solitárias, deprimidas, ansiosas e nunca genuinamente felizes? Por vezes, sinto que sob o manto do sucesso, muita gente adormece em lágrimas. E a questão que jaz, escondida na profundidade de muitos corações é, talvez, a questão do amor. “Quem se interessa por mim? Não pelo meu dinheiro, pelos meus contatos, pela minha reputação ou pela minha popularidade, mas por mim? Onde é que me sinto em casa, seguro e acarinhado? Onde posso falar e pensar livremente do que gosto sem medo de perder o amor? Onde me sinto mesmo seguro? Onde estão as pessoas com quem eu posso estar, sem me preocupar com a imagem que lhes transmito?”

Finalizo o texto cheio do desejo de que nos apliquemos à tarefa do movimento descendente, isto é, da escolha por aquilo que é pequeno, escondido, pobre e que não quer influenciar/forçar outros. Jesus fazia milagres para atuar a misericórdia, não para atrair atenção para si.

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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