Lysando Cavalcanti: “Dr. Coração”

São mais de 4,3 mil cirurgias cardíacas no Incor da santa casa de Presidente Prudente que passaram pelas mãos do cardiologista; ingressou na faculdade de Medicina aos 17 anos

PRUDENTE - HOMERO FERREIRA

Data 06/10/2019
Horário 07:15
Paulo Miguel - Lysandro: “Médico sem benevolência é um técnico de saúde”
Paulo Miguel - Lysandro: “Médico sem benevolência é um técnico de saúde”

No começo dos anos 1970, quando um quarto das crianças de 10 a 14 anos não sabiam ler e nem escrever, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Lysandro José Hollanda Cavalcanti tinha 15 anos e já cursava Engenharia na Universidade de Pernambuco, no Recife, onde nasceu em 1956.

Na época em que intercâmbio estudantil era algo raro para os brasileiros, esteve nos Estados Unidos, onde assistiu filme sobre o coração. O encantamento com o funcionamento dessa máquina humana foi tanto que, ao voltar, fez novo vestibular. Aos 17 anos ingressou no curso de Medicina, na mesma instituição.

Tinha um propósito: ser cirurgião cardíaco. Então, ao final curso, buscou aperfeiçoamento na USP (Universidade de São Paulo). No Hospital Beneficência Portuguesa foi recebido pelo Dr. Euryclides de Jesus Zerbini (1912-1993), o primeiro médico brasileiro e o quinto do mundo a realizar transplante de coração, em 1968.

Durante quase seis anos, Cavalcanti morou no hospital, no quarto 548. Por indicação do Dr. Zerbini, quando ainda engatinhava a internacionalização do ensino superior do Brasil, seguiu para o Instituto do Coração do Texas, nos Estados Unidos. Quem o recebeu foi o Dr. Denton Arthur Coolley (1920-2016).

O famoso cardiologista norte-americano, inclusive por ter implantado o primeiro coração artificial, foi o primeiro do mundo a utilizar laser na cirurgia cardíaca. Lá foram seis anos e, depois, por idêntico período, fez estágio em outros centros pelo mundo, notadamente na Europa, de tal forma que fala quatro idiomas.

Além da língua portuguesa, tem proficiência em inglês, espanhol e italiano. Seus estudos nos Estados Unidos foram custeados pelo presidente do Grupo Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes (1928-2014), primo de sua mãe Rita Moraes de Hollanda Cavalcanti. Seu pai José Joaquim Hollanda foi empresário bem sucedido na indústria moveleira de Recife, dono da Casa Hollanda.

O patriarca da família de classe média alta e descente de judeus falava 11 idiomas e trabalhou em uma das maiores empresas do Brasil: a Companhia Souza Cruz. São cinco irmãos, dois homens e três mulheres, formados médico, psicanalista, cientista social, pedagoga e direito. Mesmo tendo sido nerd, Cavalcanti foi pentacampeão de hóquei sobre patins dos Jogos Universitários e esteve no ranking brasileiro de xadrez.

Como corredor de maratonas é medalhista da Corrida Internacional de São Silvestre. O esporte vem dos tempos de ensino básico, incluindo estudos em colégio militar. A dedicação aos estudos não o impediu de outras vivências, mas o deixou ingênuo para o mundo. Bom menino, premiado como melhor aluno em matemática, até os 25 anos havia lido mais de mil livros.

DE VOLTA AO BRASIL:

HISTÓRICO PROFISSIONAL

Ao retornar para o Brasil, após a rica vivência internacional, no elevador da Beneficência conheceu o Dr. Guilherme de Oliveira Lima (cirurgião plástico). Trocaram informações e surgiu a sugestão de trabalhar em Prudente, no recém-inaugurado HU (Hospital Universitário), contratado pelo chanceler da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista), Agripino de Oliveira Lima Filho (1931-2018), tio de Guilherme.

Já são mais de 20 anos morando em Prudente. Foi o responsável pelo serviço de cirurgia do HU e lecionou na Faculdade de Medicina. Depois, foi para a santa casa reabrir e recadastrar o Incor (Instituto do Coração), do qual é médico-chefe e onde já fez mais de 4,3 mil cirurgias. Embora considere a cirurgia cardíaca um desafio, devido à sua expertise, acha todo caso fácil.

Diante de diferentes técnicas para idêntico procedimento, emprega muito do que aprendeu no Incor do Texas e um pouco na Europa, com adaptação à realidade brasileira. Seu ponto forte está na simplicidade, objetividade e velocidade, para que a cirurgia tenha tempo médio de 1 hora, ainda que o coração possa ser substituído por máquina até 4 horas. É precursor da técnica de retirada de prótese em posição mitral usando bisturi elétrico.

Pelo seu entendimento, Prudente á uma cidade bem servida na área da cirurgia cardíaca, pela Santa Casa e pelo HR (Hospital Regional) Doutor Domingos Leonardo Cerávolo, antigo HU. Mesmo com a limitação de vagas, os doentes ficam pouco tempo na fila, se comparado com outras regiões. Com o compromisso de atender a todos, sem distinção, afirma que nunca deixou um paciente sem ser operado, atuando junto com seu grupo cirúrgico.

Por sua descendência judaica, segue as 10 leis da Torá, que são os 10 mandamentos de Deus. Com essa força tem superado desafios, desde os tempos de estudante. Entende que a nação brasileira é muito corrompida e que para levar a vida adiante é preciso crença, persistência e resiliência, inclusive diante dos conflitos até com sua mãe, além de muita gente.

Ao manifestar indignação com o politicamente correto, afirma ser absurdo ter gente concordando com o errado e não manifestando sua opinião sobre o que é certo, somente para agradar os outros, agindo como um tolo que não anda nos caminhos de Deus. Embora contestador, leva a vida em paz e feliz, sustentada em Deus, na comunidade cristã de periferia da qual faz parte e na família: mulher e três filhos.

Os dois filhos maiores de idade estão radicados nos Estados Unidos, como engenheiro químico e médica; país que poderia ter escolhido para construir carreira, assim como fizeram alguns colegas da época de aperfeiçoamento no exterior. Estar em Prudente tem certo mistério, possivelmente por desígnio de Deus. Há 40 anos no Estado de São Paulo, se considera mais paulista do que nordestino.

Juntamente à satisfação pela gratidão das pessoas que operou, seu coração se alegra em ser Cidadão Prudentino: homenagem da Câmara de Vereadores em 2016, pelos relevantes serviços prestados à cidade.

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