Fiz o que tinha que fazer

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 04/06/2018
Horário 08:08

Corpus Christi me fez refletir sobre o sangue dos heróis nacionais. Impressiona-me o fato de nos países da América do Sul ver-se em praças e vias públicas estátuas e monumentos dos seus heróis (em geral, libertadores da pátria), enquanto no Brasil, não há correspondente culto; sequer temos figuras de heróis aceitos nacionalmente. O Senado Federal informa que o Brasil tem 45 nomes inscritos no “Livro dos heróis e heroínas da Pátria”, guardado no “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, em Brasília.

Para que um nome seja incluído no Livro, o Senado e a Câmara dos Deputados precisam aprovar uma lei. O primeiro nome é o do alferes Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), mártir da Inconfidência Mineira. Dentre outros, Zumbi dos Palmares, Getúlio Vargas, Santos Dumont e Chico Mendes. São, entretanto, nos livros de história, figuras questionáveis. Quiçá por isso nos tornamos um povo sem referências de heroísmo, valor, luta, esperança, força, garra, coragem, utopia. Fez-me pensar isso o improvável herói surgido na França semana passada.

Em Paris, um imigrante ilegal do Mali, passeando com sua namorada percebe um menino dependurado na sacada do prédio. Instintivamente, escalou quatro andares pelas varandas e salvou a vida daquela criança de quatro anos. A mãe estava em viagem e o pai tinha saído para uma compra rápida num mercado próximo – mas demorou-se jogando Pokemon Go–; acabou preso e a criança, levada a um abrigo social. Mamoudou Gassama – o “Homem Aranha Francês” – é seu nome. Um vídeo do feito viralizou nas redes sociais.

O presidente francês Emmnuel Macron recebeu-o no Palácio presidencial e anunciou o processo de nacionalização francesa ao jovem de 22 anos. Além disso, Gassama recebeu emprego no Corpo de Bombeiros de Paris. “Você fez algo excepcional. Ainda que não tenha pensado, é um ato de coragem e de força que merece a admiração de todos”, disse Macron. Mamoudou vê sua vida mudar depois de um gesto espontâneo, uma ação meritória, que para ele era naturalmente necessário fazer. Em entrevista, declarou: “Eu não estava pensando em ser corajoso. Eu apenas fiz o que tinha que fazer. Eu tive que salvá-lo”. Relembrou: “eu pensei que seria capaz de ajudá-lo. Isso é tudo!”.

“O imigrante que salvou uma criança escancarou no subconsciente dos europeus que uma sociedade se define pela capacidade de ser solidária. Não por seu PIB”, refletiu o jornalista Jamil Chade que, com perspicácia, observou: “o cara cruzou deserto sem dinheiro, fugiu da guerra, atravessou o mar num bote furado. E só agora é chamado de ‘corajoso’.” O Papa Francisco tem sido uma voz eloquente contra a xenofobia e a construção de muros que distanciam povos, alastrando mais medo contra imigrantes. Eis uma pungente questão: como tratar os imigrantes; esses que saem de sua terra por medo de guerra, perseguição (política, social, religiosa) e à busca de melhores condições de vida?

Esse assunto não é coisa do velho mundo, é também nosso. Defendemos fronteiras contra pessoas semelhantes nossas, pois tememos a perda de identidade cultural e de empregos... Faz alguns anos estávamos debatendo a forma mais eficiente da acolhida aos haitianos fugidos da tragédia que por lá se abateu em janeiro de 2010 (naquele terremoto também morreu a brasileira Dra. Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança). Hoje, são os venezuelanos que fogem da sina de um país em bancarrota. Os estados brasileiros da região norte não parecem capazes de suportar a demanda. A solução seria fechar fronteiras, virar as costas, cuidar de si? O que fazer? Onde estão os nossos heróis?

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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