Todo dia, às 6h, o despertador de Ronaldo Soares Luiz, 38 anos, anuncia: está na hora de levantar e começar mais um dia cheio de entregas. Rotinas assim fazem parte dos bastidores de aplicativos como Ifood. Hoje em dia, com a popularidade deste tipo de ferramenta, poucas são as pessoas que, ao pedir comida delivery, pensam sobre o trajeto que o pedido faz até chegar em sua residência. Entretanto, assim como Ronaldo, existem centenas de pessoas em Presidente Prudente que esperam uma chamada no aplicativo para conseguir o “ganha-pão”. Com o objetivo de mostrar um pouco do cotidiano destes profissionais, a reportagem contatou três que relataram desde estresses diários até o lado bom de visitar os mais diversos endereços.
Casado há 18 anos, pai de um menino de 10 e de uma menina de 15 anos, Ronaldo não é de Presidente Prudente, e nem sempre foi entregador. Há cinco anos nessa rotina, o autônomo migrou de Rancharia para cá aos 18 anos, com uma moto e um objetivo: conseguir uma oportunidade no mercado de trabalho. Todavia, nem tudo saiu como o esperado. Após um longo período trabalhando durante o dia em uma empresa e de noite entregando pedidos, perdeu o emprego. A partir daí, sua Honda – que usa para trabalhar – se tornou sua principal aliada no sustento da família. No entanto, o que antes era uma boa opção, aos poucos, vem se tornando cansativo e instável. “É muito gasto com manutenção de moto, combustível, cada troca de óleo [realizada a cada 15 dias] são R$ 25. Isso, na ponta do lápis, se torna inviável”, expõe.
Justamente por isso Ronaldo não se prende ao dizer que está em busca de uma nova profissão. Distribuindo currículos, o motociclista espera conseguir algo até o ano que vem. “Minha família incentiva a troca de emprego, porque hoje, por exemplo, vivemos mais da renda da minha esposa do que da minha”, explica.
Já o colega de profissão, Bruno Barbosa da Silva, 29 anos, não idealiza abandonar as entregas. Trabalhando em dois períodos, de dia em um restaurante e de noite em uma pizzaria, e morando com a mãe, o entregador – que antes trabalhava como vendedor - encontrou na profissão uma alternativa para ajudar nas compras de casa. “Apesar de ser uma profissão com um dia a dia estressante, devido ao trânsito, tem coisas boas, pois estamos sempre em movimento, fiz muitos amigos nesse tempo”, relata. O motivo da preferência pela profissão se dá por classificar mais prós do que contras. “É claro que eu gostaria de ter carteira assinada, principalmente para ter estabilidade, mas, no momento, estou conseguindo levar”, relata.
Sobre trabalhar de noite, Bruno conta que a única insatisfação é a falta de tempo para estar com a mãe. “Só tenho domingos para passar com a família e amigos, é cansativo nesse sentido, mas é necessário, preciso trabalhar”, ressalta.
Voz da experiência
De todos os entrevistados, Carlos Augusto Mendes da Silva é o que mais tem vivência com entregas. Nascido e criado em Prudente, dos 39 anos de idade, 12 foram levando pedidos nas casas dos prudentinos. Técnico em mecânica, Carlos não se queixa dos gastos com a moto que usa para trabalhar, já que ele mesmo realiza a manutenção. Todavia, acredita que a profissão é desvalorizada em alguns locais, pois “pagam uma diária que não vale a pena para ninguém”.
Com isso, frisa a necessidade de desenvolver um sindicato para a classe de trabalhadores que dependem de motos para se locomover. “Somos uma classe que sempre sai prejudicada, não temos alguém que lute pelos nossos direitos, e somos muitos, precisamos de uma voz”, enfatiza. Ele diz isso com base nos seus anos de estrada que, conforme expõe, foram “regados de estresse com o menosprezo social”. “O estresse é diário com o trânsito e com a falta de respeito dos motoristas que utilizam as vias”, ressalva.
No mais, sobre a constante relação com pessoas, Carlos não tem do que reclamar. Hoje, além de entregador de marmitex, trabalha entregando peças em cidades da região, e, conforme ele, criou laços de amizade com os clientes. “Quase sempre são as mesmas pessoas, vez ou outra são outras, vira meio que uma rotina, a pessoa já te conhece e você conhece a pessoa, coisa de amigos mesmo”, conta.