E o que nos habita internamente?

O nosso mundo interno é muito maior do que a gente imagina. Pensem vocês sobre um compartimento como um “gaveteiro”, onde tudo que percebemos e tivemos sensações estão arrumadas uma a uma em cada uma delas. Nessas “gavetas”, inscritas no aparelho psíquico estão como o próprio Freud nos fala, as heranças filogenéticas e ontogeneticas, precipitados psíquicos de eventos reais ocorridos na aurora da humanidade. Esses precipitados foram, em seguida, transmitidos de geração em geração, passando a constituir o núcleo do inconsciente de cada individuo.

Vamos dia a dia, introjetando tudo e formando nosso universo interno e com nossos objetos internos (pai, mãe, avós, etc.). Povoados de sentimentos como ódio, amor, inveja, ciúmes, enfim, pulsão de morte e pulsão de vida. Freud fala de processos mentais primários: “o que chamamos de processos mentais inconscientes são os processos mais antigos, primários, resíduos de uma fase do desenvolvimento em que era o único tipo de processo mental”. Ele está falando do funcionamento do aparelho mental do bebê, e da satisfação de todas as exigências dos impulsos, ignorando a realidade.

Freud explica esta possibilidade de satisfação imediata dos impulsos do recém-nascido, que descarta os limites impostos pela realidade, da seguinte forma: a primeira obtenção de uma satisfação ocasional, através de um impulso qualquer, como a fome, deixa uma marca no aparelho psíquico do bebê, sob a forma do traço mnêmico. Quando, novamente, o aparelho psíquico for perturbado pela excitação interna (aumento da tensão equivalente ao desprazer), o recém-nascido alcançara satisfação imediata por meio de uma alucinação. Esta alucinação nada mais é do que a revivescência perceptiva do traço mnêmico referente à primeira experiência de satisfação.

Mas e se a fome não for saciada no bebê? Winnicott (psicanalista) fala na mãe suficientemente boa, graças a Deus. E se essa mãe não for “boa” ou não aparecer e a fome perdurar por muito tempo? Bion (psicanalista) nos fala em um colapso no bebê. Imaginam um bebê com fome e o peito não chega. Ele não sabe exatamente que aquela sensação devastadora que lhe ocorre, é fome. Então vem o princípio de realidade. E, com ele, vem uma serie de funções (gratificação e frustração) que se colocam a disposição do mesmo, como a consciência do real, a atenção, a memória consciente, o pensamento racional, etc.

Como veem, nosso aparelho mental ou psíquico é de uma complexidade fantástica. Vamos desde muito cedo convivendo com excitações internas e externas que Freud referia-se a elas como “uma corrente que circula”, que “ocupa”, que “preenche”, que “evacua” e “carrega” os neurônios. No aparelho psíquico, a energia deve submeter-se ao principio de Constancia (Nirvana). Ou seja, sempre que ela aumentar, o aparelho psíquico funcionará no sentido de descarregá-la. Isto porque, qualquer aumento na quantidade de energia significa um aumento de tensão e, portanto, de desprazer. Da mesma forma, toda descarga de energia equivale a uma diminuição da tensão e, assim, há prazer. Consequentemente, prazer e desprazer são os reguladores do aparelho mental.

Tente não dar a uma criança um brinquedo que ela deseja na vitrine de um shopping. Ela fará birra e você acabará dando, evitando assim, que todos fiquem te olhando, “acusando-o” de estar “surrando”. Até o próximo brinquedo. E assim vai. Através de Freud, que foi um biólogo, fisiologista, neurologista, médico e psicanalista, abriu-se o caminho para uma primeira concepção psicológica de personalidade (Texto chamado Esboço-1895). Muitas noções e princípios nele formulados serão preservados e utilizados como noções-chaves e princípios diretores para toda sua obra.

A compulsão pela compra, por exemplo, só há alivio quando houver a aquisição do objeto de desejo, como a descarga para aliviar a tensão. Caso não consigamos significar ou simbolizar nossas faltas, ficaremos uma vida inteira funcionando psiquicamente como uma constante descarga. O vicio ou a drogadição também é um exemplo. O alivio é o uso constante. Cada vez fica mais intolerável o não uso e o seu tempo de espera ficará cada vez menor. O drogadicto não consegue tolerar o desprazer, ou nunca conseguiu tolerar. Ele passa a ser a própria droga. É preciso tolerar o intolerável. Não podemos tudo. Temos de aprender a lidar com as faltas, lacunas, vazios, perdas e separações.

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