Des-conexão

OPINIÃO - Sandro Rogério dos Santos

Data 23/09/2018
Horário 06:00

Sem saber como pagar as contas do mês, Antônio angustiava-se a cada momento. Sabia que a impotência lhe roubaria a vida; não tinha motivo algum para sorrir, embora vivesse sorrindo, afinal, quem dará emprego a uma pessoa amarga, cara fechada, cenho franzido? Em casa, nada estava bem. A mulher já não o queria mais por perto. Qualquer olhar, gesto ou palavra era motivo para a terceira grande guerra mundial na família. Ver tudo desmoronando deixava aquele jovem senhor destruído. Os sonhos sumiram do horizonte. Mesmo ao dormir, o máximo que consegue, são pesadelos. Claro. Seu estado mental, um horror.

Menos mal que mora na casinha feita fruto das suas muitas economias. Casado há 12 anos, responsável desde a adolescência, era a primeira vez que todas as portas lhe eram fechadas. No passado, tinha trabalho e com destaque na ocupação profissional herdada do avô. Sapateiro. O ofício, a casa, a família, a dignidade... tudo fruto do cuidado devotado aos pés alheios. Os advogados da cidade estavam sempre na loja de Antônio. Seus calçados eram especiais. Verdadeira causa vencida. Até o padre da cidade servia-se dos préstimos de ‘seu Antônio’, mesmo este não sendo católico.

A verdade é que os tempos mudaram. As relações esfriaram. A vida na pacata cidade foi transformada. E, por algum motivo alheio ao que sabemos, Antônio ficou parado no tempo. Seus amigos, continuam por perto, mas já não são fregueses. Ou vão à cidade vizinha, distante 45 quilômetros, ou pedem tudo pela internet. Que ninguém nos ouça, mas até mesmo Antônio andou pesquisando uns produtos pela internet... e comprou alguma coisa! Mas ele não admitia. Dizia que fora um seu conhecido que fizera tal compra e enviara pelos correios lá da sua cidade. Balela. Sabia das vantagens da internet, mas não queria admitir. Ela destruiu o seu ganha-pão. Era sua inimiga, não aliada.

Não lhes tinha dito, mas até mesmo os irmãos da igreja não compravam mais sapatos de Antônio. Era litúrgico. Antônio, na igreja, olhava para a cara e para os pés das pessoas. E a cada novo sapato brilhando e protegendo os pés havia dentro dele uma morte. Estava praticamente resignado. ‘Fazer o quê?’ – pensava –. Ele era avesso ao uso de celular. ‘Coisa do demônio’. ‘As pessoas ficam o tempo todo presas a esse negócio’. ‘Parecem não ter mais nada o que fazer na vida’. Sua mulher, diferente dele, conseguiu às escondidas comprar um celular. Nunca se soube como fez para pagá-lo.

E o celular de Teresa era mais um fator desagregador daquela família. Quando o celular entrou em casa, a sensação de Antônio é a de que sua família saiu, se quebrou. A mulher não tinha tempo para os afazeres domésticos, não queria conversar com o esposo, irritava-se amiúde com as crianças. Duas lindas meninas, 6 e 9 anos de idade. A maiorzinha também era aficionada ao aparelho. O pai, nem precisaria dizer, vivia inconformado com a situação. Não admitia que sua menina fosse mal-educada por aquela geringonça. Mas, era voto vencido. Em casa, dele, esperava-se dinheiro, comida, roupa, segurança... o restante, cada qual fazia o que queria.

Nas suas orações, pedia para Deus abençoar o seu trabalho, a sua família... Desejava ser um homem íntegro, como fora a vida inteira, pelo menos, até aquele momento. Sabia que sem a força divina não conseguiria levar adiante a barca. E foi num momento de oração que discerniu: precisava atualizar-se, vencer seus preconceitos, não podia deixar a internet e o celular roubar-lhe a paz, a vida. Ele podia ser diferente. E seria...

Seja bom o seu dia e abençoada a sua vida. Pax!!!

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