Em circulação pelo ProAC, a Cia Garagem 21 volta ao palco do Teatro Paulo Roberto Lisbôa, de Presidente Prudente, neste domingo, às 18h, apresentando gratuitamente o clássico espetáculo de Samuel Becket, “Esperando Godot”, considerado um marco da narrativa moderna. Influenciada pelo teatro de Tadeusz Kantor, peça escrita em 1949, narra a história de dois personagens que aguardam a chegada de Godot, que nunca aparece. Entrada franca.
“Estivemos em Prudente no final do ano passado e a recepção, o debate depois da apresentação foi muito bacana, salutar. Por isso, mesmo levando a apresentação pela segunda vez à cidade, estamos com ótimas expectativas de ter um público bom tanto em quantidade quanto em qualidade!”, expõe Kiko Rieser, 30 anos, produtor do espetáculo.
Perguntado a Kiko se o espetáculo passa alguma mensagem ao expectador, ele explica que na verdade a peça propõe reflexões, uma nova forma de existência. Segundo ele, Becket escreveu essa peça no pós- Segunda Guerra Mundial, um momento em que havia um completo esvaziamento do sentido da vida, da convivência social, um mundo apocalíptico, bárbaro... Kiko ressalta que ele escreve dentro do que se convencionou chamado ‘teatro do absurdo’, que foge ao realismo em diversas regras. Trata-se de uma peça muito peculiar, irreal, em que do primeiro para o segundo ato as coisas mudam como se a realidade do primeiro ato tivesse sido outra. O segundo ato nega o primeiro.
“Becket funda nela o antidrama, por isso foi considerada como a peça que revolucionou a dramaturgia do século 20. Porque é a primeira em que nada acontece, não existe ação dramática. Os personagens simplesmente estão ali esperando Godot, nada, além disso. Refletem sobre a falta de sentido da vida, mas nada de fato acontece. São personagens que não tem subtexto, não tem densidade psicológica. Eles são aquilo que expressam ser. Existem apenas naquele momento justamente porque é uma realidade fugidia que não se dá por uma lógica realista”,
Desenvolvimento
O processo levou quase três anos de ensaios, movidos por pesquisas técnicas e de linguagem, estudos teóricos e montagem, obtendo indicação de Telumi Hellen ao Prêmio Shell de Figurino 2017 e sendo selecionado pelo Edital ProAC de Circulação, em que percorre 16 cidades do Estado de São Paulo – além de mais de seis meses de apresentações na cidade de São Paulo.
Kiko explica que a encenação mistura o teatro de Tadeusz Kantor, técnicas teatrais como Suzuki Training e View points e linguagem de animes, mangás, teatro oriental e dança contemporânea para refletir sobre as relações sem uma sociedade em que o humano reproduz a lógica do produto.
Segundo ele, por meio desse referencial, pretende-se abordar a tendência de alheamento da condição de sujeito pertencente a uma coletividade, motivada pela violência estrutural, que condena à precarização das condições de vida grandes parcelas da população, desassistidas em suas formas materiais e simbólicas, e pela dificuldade de apreensão dos múltiplos aspectos da realidade.
Por extensão, há uma conexão com a escalada do conservadorismo, elemento de fundo ideológico que igualmente dificulta o livre pertencimento à sociedade de indivíduos considerados inadequados a partir de certos parâmetros de análise.
Interessante
A montagem aproxima o texto de Beckett das características pós-modernas, em que há o fim das ideologias que dominaram o século 20 e das metanarrativas, o acelerado desenvolvimento da técnica, a crise da representação, o hedonismo socializado pela mídia e a reificação, tema central da peça.
Os personagens refletem o sentimento de não pertencimento à coletividade, em que os cidadãos, diante das dificuldades impostas pela desigualdade em todos os níveis, são marginalizados ou abandonam as esferas política e social para dedicar-se a um individualismo que forneça a impressão de proteção.
Desse modo, a investigação é sobre o indivíduo ilhado, em uma coletividade mínima, em crise de
identidade e em que as manifestações do mundo são de difícil apreensão.
O Garagem 21 faz um cruzamento de textos teóricos sobre estética, cultura, política e ética com elementos do teatro mesclados à outras linguagens já citadas, procurando que as ações de dramaturgia, direção e demais composições estéticas tenham como elemento de partida a atuação fora de 10 registros naturalistas, realistas ou performativos. Cria-se, assim, uma reconfiguração do conceito de representação, incorporada ao ideal de teatro pós-dramático. O resultado é uma atuação coreografada a partir da ideia de partitura de movimentos e sons, em que o corpo é território de uma estetização que reflete a violência social, transpondo a ética não apenas para o discurso, mas também para sua materialização na atuação.
Garagem
Dirigido por Cesar Ribeiro, o grupo foi fundado em 1994, na cidade de São Paulo, sob o nome Cia. de Orquestração Cênica, alterado em 2009 para Garagem 21. Centra suas pesquisas em duas vertentes: na vertente ética, investiga a ideia de poder e suas extensões no corpo social, centrando no estudo da violência e utilizando-se da leitura de filósofos como Michel Foucault, Adorno e Zizek. Na vertente estética, procura um híbrido do teatro com linguagens como HQs, jogos eletrônicos, desenhos animados, dança contemporânea e teatro oriental, além do teatro de Tadeusz Kantor e de técnicas como Suzuki Training e Viewpoints, em busca de uma forma de fazer teatro relacionada à transformação social propiciada pelas novas tecnologias e capaz de fomentar um novo público, em especial jovens e adultos. A montagem mais recente, “Esperando Godot”, foi selecionada no Edital ProAC de Circulação de 2017 e teve indicação de Telumi Hellen ao Prêmio Shell de Figurino do mesmo ano.
FICHA TÉCNICA
“Esperando Godot”
Cia Garagem 21
Texto: Samuel Beckett
Direção: Cesar Ribeiro
Cenografia e Figurinos: Telumi Hellen
Iluminação: Carmine D’Amore
Fotografia: Bob Sousa
Maquiagem: Garagem 21
Trilha sonora: Cesar Ribeiro
Cenógrafo colaborador: Clau Carmo
Videografista: Nelson Kao
Designer gráfico: Diego Bianchi
Técnico de som e luz: Sergio Oliveira
Elenco: Paulo Campos, Ulisses Sakurai, Paulo Olyva e Cadu Leite
Assessoria de imprensa: Canal Aberto