Chachá, o mercador de escravos e a árvore do esquecimento

OPINIÃO - Eder da Silva Santana

Data 14/05/2019
Horário 19:47

Muitos pesquisadores brasileiros têm se debruçado para melhor compreender a história da escravização dos negros que enfrentaram a diáspora negra no além-atlântico. Muitos são, também, os acontecimentos históricos que nos escapam, tanto em solo africano quanto brasileiro. Em nosso país, a “determinação” da destruição (queima) de registros históricos sobre o comércio de escravos (alguns postulam pelo reconhecimento da sincera intenção de “apagar” do passado essa mancha moral que maculou a nossa história; outros asseveram que o ato teve por finalidade eliminar os comprovantes de natureza fiscal que pudessem ser utilizados pelos ex-senhores para pleitear indenização junto ao governo da República), o fato é que essa ação tem dificultado sobremaneira o trabalho de pesquisadores.

Entretanto, lembremos, não devemos olhar as ações dos homes do passado com os olhos do progresso moral dos tempos atuais. Um olhar acurado para esse passado, pode auxiliar a identificar personagens históricos importantes para o contexto. Um deles é o Chachá (Francisco Félix de Souza), nascido aos 04 de outubro de 1754. Segundo a literatura disponível, Chachá era filho de um traficante de escravos português e uma índia, tendo sido alforriado aos 17 anos. Depois de várias viagens ao continente africano, nosso personagem se estabeleceu no Golfo de Benin (Costa dos escravos) provavelmente no ano de 1800.

Dedicando-se ao tráfico de escravo, aportou naquele continente em condição de pobreza, ocupando posto na Fortaleza portuguesa de São João Baptista de Ajudá, como escrivão e contador, assumindo mais tarde o cargo de diretor. Tempos depois, abandonou tal função, pois recebera autorização do governo português para comercializar escravos, tarefa essa que exerceu muito bem, uma vez que acumulara grande fortuna, inclusive comercializando com o próprio rei de Daomé, Adandozan.

De acordo com os registros históricos, Chachá foi preso pelo rei de Daomé, por desentendimento comercial (tráfico) e escapado da execução em virtude de sua pele branca (a cor da morte) ou mulata, pois na época se considerava um tabu matar um “branco” (não teria escapado, todavia, da imersão em toneis de índigo, para que pigmentado de azul escuro, não mais afrontasse o rei). Chachá conseguiria escapar com o auxílio de um irmão do rei e colaborado numa conspiração para depô-lo, o que acabou ocorrendo. Guezô, o novo rei, concedeu-lhe o cargo de primeiro conselheiro e o título de Chachá.

Em razão do tráfico em expansão, Chachá acumulou fortuna gigantesca e grande poder político, pelo monopólio do comercio de negros. A guisa de conclusão desse resumido resgate histórico, em relatos que nos chegaram, alguns negros que embarcavam para as terras distantes, eram obrigados a passar pela árvore do esquecimento (9 voltas para homens e 7 para mulheres). Para que? Acreditava-se que a cada volta, apagavam da memória os registros familiares, históricos e geográficos do passado.

Outros afirmam, porém, que seus algozes temiam ser amaldiçoados pelos negros e, fazendo-os esquecer do passado, ficariam livres de qualquer maldição. Em tempos atuais, guardadas as devidas proporções, temos também nossas árvores do esquecimento, a exemplo dos grandes festivais futebolísticos e carnavalescos, que de alguma forma nos faz esquecer, ainda que momentaneamente, das inúmeras tragédias que presenciamos diuturnamente. Muitas são as histórias a serem resgatadas e contadas neste pais, e nem as chamas intencionais conseguirão apaga-las ou destruí-las.

Publicidade

Veja também