A falácia da lei

OPINIÃO - José Renato Nalini

Data 28/12/2018
Horário 05:02

A lei já foi considerada a relação necessária que se extrai da natureza das coisas. A ela todos se curvaram no decorrer da História, bastando lembrar que os Romanos, dos quais herdamos esta arquitetura notável da Ciência Jurídica, já viviam sob a égide do “dura lex, sed lex”. A lei pode ser dura, severa, pesada. Mas é a lei. Não há como deixar de cumpri-la.
Com o passar do tempo, a lei – produto do mais importante dentre os Poderes o funções estatais, o Parlamento – deixou de ser esse conceito coincidente com o direito. A vida se tornou mais complexa. O legislador não tem o condão de prever todas as hipóteses em que a normatividade incidirá, pois a realidade é muito mais exuberante do que a imaginação humana. 
Um outro fenômeno é a dificuldade de enfrentar temas polêmicos. O Brasil do dissenso não consegue, por exemplo, realizar a Reforma da Previdência, mesmo com plena consciência de que o Estado está falido e os próximos anos serão de penúria e convulsão social. O Parlamento não pode desconhecer que um dos mais graves problemas contemporâneos é o aquecimento global. Ainda assim, não consegue editar normas que protejam o ambiente. Ao contrário, revoga o Código Florestal, flexibiliza licenças ecológicas, anistia o dendroclasta, deixa de executar as pífias multas por infrações ambientais. 
Por isso, as normas gerais convertidas em lei oferecem apenas um esquema, no qual têm abrigo múltiplas possibilidades de concretização. Não existem critérios que obriguem o juiz a enveredar por este ou aquele modelo interpretativo. O juiz é uma fonte de produção jurídica, fonte plenamente liberta. Não é fonte subordinada e dependente. Segundo já afirmava François Gény, os magistrados “devem buscar, fora e acima desses elementos, os meios para cumprir plenamente a sua missão”. Assim, a decisão judicial é a continuação do processo de produção de normas. Aplicação e, mais do que isso, criação do direito. 
Uma Constituição não é uma lei qualquer. Utiliza conceitos não apenas jurídicos, mas políticos. Como pretender que o seu intérprete deixe de fazer política? Ele é obrigado a se manifestar sobre dispositivos de um documento político, expressão da soberania, decisão política de um povo de se governar de determinada forma. Isso significa a abolição das regras tradicionais da hermenêutica jurídica e sua substituição por regras próprias de interpretação constitucional. Nem todos entendem isso. Daí a perplexidade de muita gente em relação ao protagonismo do STF (Supremo Tribunal Federal). Mas essa a realidade presente. Temos de conviver com ela. 
 

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