“Quero mostrar às mulheres que empoderar é entender que possuímos o poder de poder”

PRUDENTE - GABRIEL BUOSI

Data 25/06/2019
Horário 08:20
José Reis: Adiane realiza projetos que envolvem o empoderamento feminino por meio do Mulher [+]
José Reis: Adiane realiza projetos que envolvem o empoderamento feminino por meio do Mulher [+]

Lugar de mulher é onde ela quiser e isso já não deveria ser novidade para ninguém. E em tempos em que o empoderamento feminino tem sido cada vez mais discutido e esclarecido, a empreendedora social, Adiane Mitidiero, 38 anos, tem desenvolvido projetos que auxiliam no entendimento, mas também na busca pela realização pessoal de cada uma das participantes e pessoas envolvidas nas ações.

Um destes projetos é o Mulher [+] que, segundo ela, objetiva que as mulheres se sintam realizadas e que desenvolvam suas habilidades. Para isso, são trabalhados quatro pilares: família, trabalho, comunidade e o eu. “No início, a proposta tinha um perfil muito social, e precisávamos de uma forma de entrada de recita, e como eu sempre trabalhei com atitudes empreendedoras, percebi que faltava nas empresas atitudes como essa”.

Foi então que surgiram vários outros projetos adjacentes, como o que desenvolve talentos dentro destes estabelecimentos, mas também os que levam informação às meninas mais jovens, palestras, oficinas, treinamentos e na intenção de desenvolver atitudes empreendedoras. “Todas somos mulheres mais, e se alguém disser o contrário, essa pessoa estará categoricamente errada. Sentir culpa nunca mais e ter felicidade sempre mais, esse é o nosso propósito”.

Abaixo é possível conferir um bate-papo sobre os desafios de ser mulher no mercado de trabalho, como ela conseguiu tirar as ideias do papel e alcançar seus objetivos e dicas de como é possível vencer tais obstáculos, mas, além disso, se sentir realizada.

 

O Imparcial: Antes de tudo, como você se descreveria ou se apresentaria?

Vou falar da mesma forma como me apresento em qualquer lugar que eu vou. Eu sou esposa, mãe de três filhos, sou palestrante por paixão, empreendedora por vocação e acredito no desenvolvimento das pessoas, além de ser uma sonhadora por natureza. Dentro disso tudo, sou formada em Direito e a minha carreira é muito atípica, já que fiz mestrado em Direito Internacional fora do Brasil e, por exemplo, atuei em diversos trabalhos em multinacionais, mas também tive a oportunidade de ser voluntária.

 

Em que momento da sua vida percebeu que havia se tornado uma mulher empreendedora?

Hoje, olhando para trás, acredito que fui empreendedora desde pequena, já que sempre empreendi na escola, com a criação de projetos e sempre fui uma aluna muito ativa. Dentro das empresas em que trabalhei fui intraempreendedora e costumo falar que empreendo em todas as áreas da minha vida. Por isso, eu sou o eu empreendedora, pois me empreendo, sou intraempreendedora, por empreender nos locais em que trabalho e empreendedora por ter os meus negócios.

 

E quando, de fato, o empreendedorismo começou a dar certo?

Vou contextualizar dizendo que quando fui para fora do Brasil, fui mochileira e voltei com a mala bem cheia, já que vim casada, com dois filhos e outro na barriga. Foram sete anos fora, entre França e Bélgica, e no retorno paramos no Rio de Janeiro, em 2010. Naquela ocasião, fui pesquisar um pouco sobre o mercado, pois eu estava grávida de cinco meses e sabia que ninguém ia contratar uma mulher grávida.

Durante esse processo, em uma entrevista para uma vaga de trabalho, em planejamento de mercado internacional, duas coisas ocorreram: a recrutadora me fez perguntas de formas que eram muito estranha, como: “será que você entende de direito brasileiro? será que você entende do assunto?”. Naquele momento, eu me perguntei o que estava ocorrendo, pois não entendia o motivo de tais questionamentos.

 

Como você se sentiu naquele momento?

Eu já fui responsável por projetos de diversos países e fora do Brasil, e nunca ninguém me perguntou isso. Mas é justamente quando eu volto para o meu país, que me perguntam se eu sei sobre o que vou trabalhar. Naquele momento imaginei que não daria certo. Lembrei naquela época que eu já tinha ido trabalhar fora por estar um pouco desacreditada no Brasil e naquele dia eu me vi em outra situação complicada: eu morava na Barra da Tijuca e a entrevista foi em Botafogo, eu demorei 3 horas e meia para chegar em casa. Naquele momento eu pensei que não ia abrir mão da minha vida perto dos meus filhos. Vou voltar para cá e ter que ficar toda essa hora no trânsito? E meus filhos em casa? Foi quando eu tomei a decisão de empreender, pois foi onde eu via uma forma de ter flexibilidade. Nunca pensei em ter mais tempo, pois eu sabia que o empreendedor não teria tempo, mas a flexibilidade de poder se organizar.

 

E como foi naquele momento, estar diante dessa oportunidade? Deu certo?

Deu certo sim. Foi quando eu vi que esse era um tipo de negócio que funcionaria para mim, mas então eu precisava pensar no que empreender. Uma coisa eu sei fazer: conheço algumas culturas, sei como fazer negócios em outras culturas. Foi quando, com isso em mãos, vi a oportunidade de criar uma consultoria que era focada em mobilidade internacional, não apenas de pessoas, mas também de empresas. Seja de dentro para fora do Brasil ou o caminho inverso.

 

Com essa experiência, quais seriam os desafios de empreender?

Eu sempre falo para as pessoas que o mais difícil é sair do mundo das ideias e partir para a execução, e isso eu consegui fazer muito rápido. Hoje muita gente fala que eu pareço ter menos idade do que tenho, imagina isso naquela época, e foi um grande desafio. Eu visitava empresas para tentar um cliente e tinha que ficar 30 minutos mostrando que eu entendia do assunto, que era capaz, para depois a gente tratar do assunto. Já tive até um caso de um cara que perguntou se meu marido iria à próxima reunião, por causa da figura masculina representando a empresa.

 

E como foi o início do seu empreendedorismo dentro de tais desafios?

O negócio foi crescendo muito. No início, quando eu tinha criado o escritório, começaram a acontecer algumas coisas que não me deixavam feliz, já que eu estava passando muito tempo dentro do escritório e não vendo meus filhos da maneira com que eu queria. Decidi, então, fechar o escritório, voltar para o home office. No entanto, depois de seis meses, vi que eu precisava mesmo era ver gente, conversar e trocar ideias, foi quando retomei as atividades.

 

E como o empreendedorismo feminino entrou na sua vida?

A partir dessa época eu percebi, em determinado momento, que o que eu queria realmente era que toda mulher se sentisse realizada em todas as áreas da sua vida. Ainda no início, participei de alguns projetos, como o que eu dava capacitação empreendedora para algumas mulheres de comunidades no Rio de Janeiro, e fui começando a me envolver cada vez mais nesse mundo de empreendedorismo feminino e me apaixonei por isso. Em 2016, infelizmente o Rio de Janeiro começou a ficar uma loucura, passei por uma situação bem chata quando, durante o trânsito, estava com minha família e fomos abordados por três homens armados e vi que já tinha dado para mim o Rio de Janeiro, foi quando retornei ao interior.

 

Esse foi o início de uma ideia que futuramente se transformaria em “Mulher [+]”. Como você classificaria esse projeto?

O projeto nasceu para ser um espaço de coworking e se transformou em algo muito maior. Hoje em termos de propósito, queremos que as mulheres se sintam realizadas e isso a gente pode fazer de diversas formas. Por isso, começamos a trabalhar o empoderamento de mulher, para que elas desenvolvam suas habilidades, ensinamos e a como empreender e ter essa flexibilidade. Acreditamos em outras formas de dar poder à mulher, por isso estamos trabalhando sempre nossos quatro pilares: família, trabalho, comunidade e o eu. Dentro desses pilares, organizamos diversos eventos, como ciclo de palestras, eventos digitais e com meninas que querem trabalhar com o mundo digital.  

No início a proposta tinha um perfil muito social, e precisávamos de uma forma de entrada de recita, e como eu sempre trabalhei com atitudes empreendedoras, percebi que faltava nas empresas atitudes como essa. Foi quando surgimos com vários projetos, como o que desenvolve talentos dentro de empresas, com palestras, oficinas, treinamentos e buscando desenvolver atitudes empreendedoras.

 

Esse é um trabalho somente com mulheres adultas?

Não, temos um projeto direcionado às meninas mais novas já que, por exemplo, há uma ideia social de que uma menina nunca é líder, mas mandona, ou sempre com fama de louca e sempre recebendo termos que para homens são usados de uma forma e para mulheres de outras, como no futebol, falar que o jogador está correndo como uma menina.

Então há um projeto que vai até as escolas contar histórias de mulheres que foram incríveis, mas não apenas isso, a gente facilita toda essa histórias sobre as competências que elas tinham, e o que pode ser desenvolvido caso elas queriam ser o que almejam para o futuro.

 

Em pleno 2019, ainda é preciso mostrar o potencial da mulher? Não deveria ser algo já cultural?

É preciso e tem vários dados que comprovam essa necessidade. Há muitas mulheres, inclusive, que não acham que há desigualdade entre os gêneros. Eu mesmo me vi mulher aos 26 anos de idade. Vou dar um exemplo para ficar melhor de entender: nessa época eu fiquei grávida, estava na Europa, e mesmo com um companheiro, não era algo planejado. Foi quando me vi chegando ao meu chefe e pedindo desculpas por estar grávida, já que eu tinha sido colocada em um projeto em que eu trabalharia com 17 países diferentes.

Naquele momento a ficha caiu. Como poderia ser possível eu pedir desculpas por estar grávida? E tenho certeza que muitas mulheres ainda se sentem culpadas por isso.

 

A desigualdade entre homens e mulheres já diminuiu ou ainda é gritante?

Há um ranking internacional que trabalha com aproximadamente 144 países e o Brasil está na posição de número 90. Ele diz que a média mundial para que homens e mulheres ganhem a mesma coisa e na mesma função é de algo em torno de 100 anos, para então chegar nessa igualdade. No Brasil esse período seria de 217 anos, então nem minhas parentes distantes vão receber o mesmo que os homens e estamos falando da mesma função e não de funções diferente. As mulheres ainda ganham muito menos.

O mercado ainda é desequilibrado. Da população economicamente ativa, temos 52% de mulher que estão no mercado e algo em torno de 70% de homens, sendo que em termos de escolaridade, a das mulheres é melhor. Então é um desiquilíbrio, sem contar dos 70% dos salários que recebemos pela mesma função em relação ao salário do homem.

 

E quais dificuldades as mulheres especificamente enfrentam?

Já começa pelo viés de um pensamento que pode ser consciente ou inconsciente dos empregadores. Muitos recrutadores não recrutam, inconscientemente, mulheres, por saberem que nós podemos ter filhos pequenos, e a criança poderia ficar doente, o que faria ela faltar. Além disso, há a ocasião em que a mulher é recém-casada, o que fará com que em algum momento ela se afaste por causa dos filhos. É preciso falar, no entanto, que é comprovado que a mulher que se torna mãe desenvolve inúmeras habilidades, ela se torna mais paciente, a educação financeira dela aumenta, se torna mais flexível, faz multitarefas, e que se todos pensassem por esse lado, a maternidade não seria um problema nas empresas e isso não é o que eu acho, são fatos.

 

Antes de encerrar, pegando o gancho da Copa do Mundo de Futebol Feminino, como você classificaria esse esporte hoje com a participação das mulheres?

Inclusive acabamos de lançar um movimento que chama ‘Elas no Jogo’, aproveitando as partidas, que pela primeira vez serão transmitidas em TV aberta. Queremos mostrar que futebol é uma paixão nacional e que mesmo o país sendo reconhecido por isso, quando s efala de gêneros no futebol, ainda é muito desigual. A Marta, por exemplo, é a melhor jogadora do mundo, mais premiada e o salário dela não chega aos pés do salário do Neymar, por exemplo, que não tem essas titulações todas. E como explicar para o seu filho que isso ocorre? Para eles simplesmente não faz sentido e eu passei por isso com o meu.

 

Por fim, quais dicas você daria para mulheres que querem empreender e se sentir realizada em todos os aspectos?

Primeira coisa é continuar sonhando, pois os sonhos são a base de tudo. Mas não sonhe dormindo, tenha uma visão desse sonho e o visualize, criando objetivos claros e buscando conhecimento. É preciso se autodesenvolver, desenvolver suas habilidades técnicas quanto emocionais. É através dessa consciência e ação ela vai conseguir chegar lá, e todas podem chegar lá.

 


 

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