“O trabalho voluntário vale a pena, pelo bem de ajudar o nosso próximo”

Os gêmeos Gabriel e Laura Medeiros Regazzo são exemplos de altruísmo: desde os 6 anos se dedicam ao voluntariado

- THIAGO MORELLO

Data 13/10/2018
Horário 09:49
Marcio Oliveira - Gabriel e Laura têm 13 anos, e desde os 6 fazem trabalhos voluntários
Marcio Oliveira - Gabriel e Laura têm 13 anos, e desde os 6 fazem trabalhos voluntários

O escritor Fernando Pessoa dizia que “mais vale ser criança que querer compreender o mundo”. Mas há quem diga que as duas coisas podem ser feitas, sem perder a inocência de ser pequeno. E mais do que dizer, há quem faça isso. Gabriel e Laura Medeiros Regazzo, irmãos gêmeos, mostram um exemplo de áurea altruísta, pois desde cedo dedicam suas vidas a fazer o bem e ajudar o próximo. Aos 13 anos, mas em ação desde os 6, eles intercalam suas vidas numa rotina mesclada com os estudos, lazer, igreja e o trabalho voluntário.

E quando se fala em compreender o mundo, é querer entender a realidade de todos, sem julgar, mas sim ajudar. Semanalmente, os dois se juntam ao grupo de voluntários pertencente à comunidade da Paróquia Nossa Senhora do Carmo (Igreja Maristela) e rezam, falam de Deus e também levam comida a moradores de rua, mais especificamente na área central de Presidente Prudente, onde contam que até amigos fizeram.

E por trás de todo o voluntariado, Gabriel e Laura, adotados quando ainda tinham 1 ano e 7 meses de vida, ainda mostram que encontrar uma nova família, e fazer dela a sua real construção familiar, significa uma vida sem revolta, mas sim com muito amor e gratidão.

Em alusão ao Dia das Crianças, comemorado ontem, os gêmeos bateram um papo com a reportagem e contaram o que viram da vida até agora, além dos ensinamentos que a mesma proporcionou a eles, bem como os ganhos ao longo do caminho. E o melhor, tudo isso sem deixar de ser criança, perder a inocência desse período e não abandonarem o sonho de ser jogador de futebol e médica veterinária. Confira a entrevista completa:

O Imparcial: Como foi para vocês fazer parte e crescer juntos dentro de uma família que os acolheu desde pequeno?

Gabriel: Foi muito bom, porque sempre tivemos acesso a momentos com uma família de verdade e fazer parte disso. A gente viaja junto, vai para igreja, onde iniciamos a infância missionária.

Laura: É legal, porque a nossa mãe sempre está junto com a gente, desde cedo. Ela nos apoia e nos dá todo o amor possível. Graças a Deus, hoje fazemos parte de um laço familiar com amor e carinho. Crescemos sabendo da história e agradecemos por isso.

E como foi a inserção de vocês na comunidade da Igreja Maristela?

Gabriel: Começamos em outra igreja e há algum tempo fazemos parte da Maristela. No início, a gente fazia parte de atividades pequenas, em acampamentos, e tudo aconteceu por vontade própria, auxiliando no desenvolvimento e organização dos eventos. E depois comecei a gostar e ver que era algo legal de fazer. Com o passar dos anos, integrei ainda mais, em outras atividades.

Laura: Foi legal, principalmente porque tem atividade com outras crianças, e isso ajudou a gente a se enturmar mais, deixando a participação mais gostosa. É porque se trata do nosso espaço e um momento de interação com todos. Somos coroinhas também, auxiliamos no altar e tem uma rotina a ser seguida, que também nos deu aprendizado. E foi por lá também que conhecemos o trabalho voluntário, que hoje fazemos parte.

No trabalho voluntário, em sua maior parte, vocês realizam a entrega de refeições aos moradores de rua. O que vocês têm aprendido com isso?

Gabriel: É muito bom. Às vezes, a gente chega cedo e faz parte de outros processos também, como preparar as marmitas. Antes a gente reza, faz reunião e aí começamos. São de 80 a 90 marmitas e a oportunidade de ajudar o próximo. Mas também tem outras coisas, às quartas-feiras, fazemos parte dos doutores da alegria, além da infância missionária e as missas. E com tudo isso a gente aprende a valorizar as coisas e ver que é importante ajudar o próximo.

Laura: Quando nós começamos a entregar as marmitas, no começo nós ficávamos perto da nossa mãe, até por ter um pouco de medo. É natural. Mas hoje em dia, já mudou e enturmamos mais. Nos acostumamos, porque chega, cumprimenta, brinca... Muitos não dão valor, mas como crianças também aprendemos a enxergar a realidade, outras realidades. Temos que ter essa mentalidade de promover um mundo melhor. Faz parte. Por que não ajudar? A gente abraça, beija, pega na mão, tudo.

E mais do que fazer essas atividades, vocês conseguem perceber a importância do ato de ajudar o próximo?

Gabriel: No começo não, mas hoje a gente percebeu que é importante sim. Até mesmo nas outras atividades da igreja, quando, por exemplo, tem gente que não leva lanche e lembramos do aprendizado de partilhar e dividir com todo mundo. Assim fomos dando mais valor às coisas e também a saber olhar para quem tem menos que nós e não mais. E no contato com os moradores de rua é bom, porque antes de ir sempre tínhamos medo deles nas ruas. E agora não, é normal. Aprendemos a não olhar para o próximo com medo, mas sim sabendo que ele precisa de ajuda. A gente conversa mais e hoje até já fizemos amigos. Tem que tomar cuidado com a intenção das pessoas, lógico, mas não precisa olhar feio para elas. E não é só levar marmita, pois eles gostam de abraços e conversar.

Laura: Sim, porque a gente conversa bastante com eles. Na verdade, é mais eles que falam as coisas para a gente do que nós. Eles fazem oração e conversam com a gente, sempre quando estamos por lá. Mas eles não conversam diretamente, é mais em uma roda com todos. E desabafam com a comunidade, nos dá atenção. Tem alguns até que já brincam e nos contam histórias. Mas não é só levar marmita e abastecer fisicamente, tudo tem um porquê. Eles sabem que a gente não vai faltar e esperam, e com isso criou-se um compromisso. Tem uns que nem marmitas pegam, mas vão pela oportunidade do momento de interação com todos. Aos poucos, conseguimos entender que isso faz bem a eles e a gente também. Não pode parar não.

Nesses anos de trabalho voluntário e momentos com a comunidade católica, qual história marcou a vida de vocês?

Gabriel: Eu sempre penso muito na minha infância, que sempre foi boa e ainda é. Nos servos, que é uma atividade da igreja, a interação é muito boa e vai ser difícil quando sair, assim com os doutores da alegria, pois lá podemos ajudar as crianças. E tem o Nato também, que marcou bastante. A gente servia junto com ele no altar. Conversávamos bastante com ele. E infelizmente o vi adoecer e não conseguir voltar a trabalhar de forma integral. Logo nesse processo de internação, depois ele morreu. Foi muito triste, porque ele era uma pessoa muito boa à toda comunidade.

Laura: Teve uma vez, em um dos acampamentos de famílias da igreja, que conheci uma mulher que não podia ter filhos, e toda vez que ela engravidava perdia. Até que um dia ela conseguiu ter uma filha. Ela nos contou que num certo dia, antes da menina ir para escola, ela deu um abraço simples na filha, como de costume. Naquele mesmo dia, a criança foi para a escola e na hora de ir embora foi atropelada e morreu. A mulher contou isso para gente como uma forma de dizer que ela poderia ter dado mais amor à filha dela. Ela meio que se culpava por isso. Depois, ele teve mais três filhos, pois felizmente conseguiu. Mas isso me marcou e ficou na minha mente, que temos que dar mais valor às pessoas. Logo quando isso aconteceu, o marido dela começou a beber e a família passou por situações difíceis. Mas ela voltou à igreja e nos disse que as coisas boas começaram a voltar a acontecer.

No meio escolar, vocês conseguem perceber a diferença de comportamento entre crianças da mesma idade?

Gabriel: Sim, na minha sala, por exemplo, tem muita gente que não acredita em Deus. Eu contei a eles o que eu fazia na igreja e as atividades, e eles sempre falavam: “nossa, você não tem tempo para brincar, mexer no celular, nada disso?”. Eu sempre respondi que sim, que na verdade eu tinha tempo para tudo isso. Mas eles estranham mesmo. Um amigo meu, que acreditava em Deus, mas não falava sobre ele, depois que fez um acampamento na igreja, voltou diferente e agora ele fala, mas não deixou de ser criança, brincar e fazer outras coisas que gosta.

Laura: Comigo acontece o mesmo, mas eu tento mostrar que a gente pode fazer tudo, se organizar nosso tempo. Acho legal a gente manter a fé em algo que acreditamos. Uma amiga minha contou que os pais se separaram e por isso deixou de ir à igreja. Mas conversei com ela e falamos muitas coisas. Nisso, ela voltou e conseguiu ter uma relação melhor com a mãe dela. É importante manter uma atividade, quando é algo que te faz bem.

O que vocês gostam de fazer no tempo livre?

Gabriel e Laura: A gente tem o equilibro de viver e ter nosso tempo para tudo. Quando não estamos nas atividades da igreja, a gente brinca com nossos amigos da rua de casa, joga bola, vai nadar em clubes, videogame, mexe no celular, enfim, tudo. A gente também estuda, faz cursos. Mas é importante dizer que nossa entrega à comunidade é porque queremos e gostamos, pois nossos pais não nos forçam a isso.

Qual mensagem vocês deixariam para as pessoas que vão ler e conhecer um pouco sobre a história de vocês?

Gabriel e Laura: Que o trabalho voluntário vale a pena, pelo bem de ajudar o nosso próximo. Recomendamos fazer as coisas que fazemos, se você acreditar que deve fazer. Nós sempre estamos ligados às atividades da igreja, mas porque isso nos faz bem. É importante pra gente.

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