“Não tenho a barriga, mas um coração que espera ser mãe”

- GABRIEL BUOSI

Data 14/05/2018
Horário 09:17

O sonho de construir uma família e, com ela, desempenhar o papel de pais, para o casal Débora Gasque Moraes dos Anjos, 45 anos, e o analista de sistemas, Jairo Severo dos Anjos Neto, de 43 anos, ganhou um capítulo que não era esperado, mas que se tornou motivo de superação e demonstração de amor. Isso porque, após um ano de matrimônio, o casal descobriu a dificuldade de Débora em engravidar, causada por uma endometriose, e que viria a ser motivo, a partir de 2012, de tentativas de uma gestação em laboratórios.

As tentativas não deram certo, trouxeram, inclusive, a perda de três partes do intestino da cirurgiã-dentista, com o efeito rebote de uma medicação. Mas o sonho não foi deixado de lado. Isso porque, há quase dois anos, o futuro papai e a futura mamãe aguardam na fila de adoção por uma criança, que já tem um quarto pronto, e deve chegar a um lar repleto de amor, carinho e expectativas. Abaixo você confere a história que norteou o início do relacionamento, dificuldades nas tentativas de gestação e o processo de espera pelo futuro filho, ou filha.

 

O Imparcial: Como você e seu marido se conheceram?

Débora: Nós somos da mesma igreja, a Presbiteriana do Brasil, ficamos por sete meses em um período de amizade. Em seguida, começamos a nos conhecer melhor e namoramos por um ano e dois meses, foi quando nos casamos. Eu já tinha 37 anos, então me casei mais velha e optamos por esperar por mais ou menos um ano para poder ter um filho, e foi o que fizemos. No entanto, logo no início percebemos que não estavam dando certas nossas tentativas e, depois de seis meses, vimos que algo estava errado e que precisaríamos tomar alguma providência.

 

A gravidez foi um sonho desde o início da relação?

Na verdade a gente sempre sonhou em ter um bebê, queríamos pelo menos dois, mas a gente não imaginava que eu teria algum tipo de problema. Mas quando percebi que não engravidava, procurei outro médico para saber a respeito, que me pediu um exame, e comprovou que eu tinha endometriose, o que eu não sabia até então, mesmo fazendo acompanhamentos sempre.

Foi quando o médico me disse que, pela minha idade, o melhor seria que eu fizesse a fertilização [in vitro], e foi quando ficamos chateados e decepcionados, por termos feito sempre um acompanhamento e não imaginado isso até o momento.

 

As chances de ser mãe, na época, eram nulas ou menores?

Não era zero, mas fiz exames e vi que algumas restrições apareciam para que eu engravidasse, mas não era algo impossível. Procuramos um amigo nosso que trabalhava com isso, como médico, foi quando ele me pediu um novo exame e disse que minhas trompas estavam entupidas e não conseguiriam gerar uma gravidez normal, sendo o ideal partir para uma fertilização, já que não teríamos tempo de tratar a doença.

 

E como foram os tratamentos desde então?

A primeira fertilização ocorreu entre o fim de 2012 e começo de 2013, quando colocamos dois embriões. A segunda foi logo em seguida, em um curto intervalo, quando colocamos um embrião e a terceira tentativa contou com quatro embriões, sendo que esses já não eram mais os meus óvulos. É que na última tentativa, o médico me aconselhou a fazer o procedimento com os óvulos de outra mulher, compatível com meu organismo, e que pudesse trazer um resultado positivo. Ali já seria uma adoção, mas não deu certo.

Com todas essas tentativas, penso que sofri bastante, mas fisicamente, pois eu sentia muitas dores no corpo e, como não dava certo, aquilo era considerado um aborto e que trazia complicações para o organismo.

 

E como foi psicologicamente?

Na verdade, para mim, como eu sentia tudo, penso que foi mais fácil psicologicamente, mas para meu marido via que foi mais difícil, pois ele não sentia as dores, mas me via sofrer. O sonho é dos dois, mas não era ele quem estava sofrendo as dores físicas, por isso ele sentia bastante por mim. Todo esse processo judia fisicamente, mas eu achava egoísta da minha parte negar a tentativa.

Além disso, tem a frustração de ver que não davam certas as tentativas e isso gera uma expectativa, principalmente na terceira vez, quando acreditávamos que havia dado certo, por eu não ter menstruado no período indicado.

 

A partir desse momento que optaram pela adoção?

Quando soube que não poderíamos engravidar, logo passou pela nossa cabeça. Quando eu era solteira, na verdade, já dizia que gostaria de dois filhos, um biológico e um adotado. O natural seria para saber como seria nossa mistura, e o adotivo por poder dar uma chance a alguém, coisa que muitas poderiam não alcançar, como o amor, carinho e incentivo à fé.

Não deve ser considerado isso, porém, como uma segunda opção, por ser algo que sobrou, mas é porque, normalmente, os casais optam sim por ter primeiro o filho que nos é de possibilidade, o biológico, e partir para a adoção, caso não dê, por ser uma possibilidade dada. Eu já tinha essa vontade antes de saber e viver tudo isso.

 

Como tem sido o processo de adoção?

Mês que vem somam dois anos que entramos com os papeis. No entanto, estamos na fila de adoção, oficialmente, há um ano e três meses, mas sabemos que há casais que ficam três, quatro ou até mesmo seis anos na espera pela criança. Optamos por adentrar no processo, pois, até a criança chegar, pode levar um longo período e eu já tenho 45 anos, pode ser que meu filho ou minha filha chegue somente daqui cinco anos, então já terei 50. É um processo longo e distante, por isso optamos por entrar com os papeis.

 

A entrada com a documentação foi a última opção antes de longas tentativas?

Antes de entrarmos na fila de adoção, tentamos mais uma vez o processo natural. Ocorre que próximo de 2014, eu participei de uma tese que tratava da endometriose, no Hospital das Clínicas em São Paulo [SP], de um medicamento que havia sido lançado. Tomei essa mediação nesse período e foi quando em 2015 eu tentei engravidar naturalmente.

Eu parei com o remédio em setembro do mesmo ano, na intenção de tentar novamente, mas a partir de então foram três meses de muitas dores, sendo que em 26 de dezembro, eu fui internada, com cólicas que não passavam, e, depois de diversos exames, chegaram à conclusão de que meu intestino havia se fechado em quatro lugares diferentes por um efeito rebote de ficar sem a medicação. Com isso, tive que retirar três pedaços do meu intestino e tomo uma medicação até hoje por causa disso tudo.

Na época, as dores eram intensas até para tomar água. Eu cheguei a ficar quatro meses sem comer carne por ser difícil digerir o alimento e, por isso, tinha que comer coisas pastosas. Foi assim por três meses, até chegar ao resultado dos exames. 

 

E como foi após a cirurgia?

É difícil, pois foi naquele momento que percebemos que tínhamos que parar por ali. Entendemos que Deus havia colocado para gente um ponto final naquelas tentativas e que, a partir de então, não deveríamos mais arriscar. Foi quando começamos oficialmente a mexer com a papelada da adoção e, em junho de 2016, entramos na fila.

 

Qual o perfil de criança que vocês optaram no cadastro?

O Jairo [marido] gostaria que fosse um menino e eu adoraria que fosse uma menina. Como cada um quer uma coisa, vamos deixar nas mãos de Deus e aguardar o que ele nos mandar. Estaremos felizes com qualquer que seja a escolha Dele. A única determinação que colocamos no formulário de adoção é de que seja um bebê entre 0 e 8 meses de idade.

 

De que forma esse bebê é esperado?

Já temos um quarto preparado para nosso filho ou filha. Fui num sítio do meu pai há alguns anos e peguei um berço que já tem 56 anos. Buscamos, mandamos reformar e deixamos um quarto preparado e com tons neutros, já que não sabemos o sexo da criança. Eu deixei pronto, pois não sei que hora meu telefone vai tocar e sempre que ouvimos as histórias de adoções, vemos a surpresa que é a chegada do bebê.

Então, como nós somos muito organizados e queremos fazer tudo certo, deixamos o ambiente montado com guarda-roupa, ar-condicionado e o berço. Já escolhemos os nomes também, devem ser Matheus, por significar presente de Deus, ou Alice, que significa de linhagem nobre. Tem a ver com o que ela [criança] significa para nós.

 

Soube que houve uma sessão de fotos de preparação, como foi?

Fizemos o book da adoção, aqueles que são feitos quando as mães estão com o barrigão no aguardo da criança. Mesmo sem a barriga da gestação, fizemos uma sessão de fotos aqui na nossa casa, no quarto do neném, quando montei o ambiente para ficar parecido com quando ele chegar. Fomos também ao campus de uma universidade.

As fotos retratam o período em que os pais aguardam pela criança, usamos, por exemplo, o sapatinho de criança, roupinhas e quero que nosso filho entenda quando crescer o tanto que nós esperamos por ele. Eu quero que esse berço que está na história da minha família, por exemplo, e que está nas fotos, possa tocar essa criança, para que ela saiba o quanto é importante e saiba que ela foi esperada como qualquer uma dos netos que nossos pais tiveram.  

 

A fé do casal foi importante nesse processo?

Sem dúvidas. Jesus morreu em uma cruz para nos resgatar, Deus nos adotou como filhos através dele, foi esse o sentido, pele menos em meu entendimento. Se nós fomos adotados por Deus, então eu também estou apta e posso adotar alguém que não tem minha genética, mas pode ter meu nome, minha herança, o meu legado. Nossa atitude também dá a chance de trazer a criança de uma oportunidade que ela talvez nunca tivesse.

 

Como você lida com sua história?

Com tudo que passamos, criei uma página no Facebook, em, que conto nossa história. É como se fosse nosso diário. A página tem o nome de “Chamados para Adotar”, gosto de escrever algumas coisas que sinto e essa página tem isso, eu conto nossa experiência e situações que vivemos no dia a dia. Indico livros, filmes e conteúdos sobre a adoção, pois tento falar com as pessoas sobre o que ela pode enfrentar caso queira passar por esse processo.

 

Alguma história vivida nesse período já te marcou?

Sim, há alguns dias eu estava na fila de um supermercado e, sem querer, entrei na fila preferencial. A moça do caixa viu e me alertou sobre ser fila preferencial. Pensei na hora que ela não sabia, mas eu estou grávida. Eu apenas não tenho barriga para mostrar, e trata-se de uma gravidez que pode durar muitos anos.

Vejo que quem está na fila de adoção deveria ter o mesmo direito, não para passar na frente e ter preferências, mas é isso que eu sinto. Eu não tenho uma barriga, mas tenho um coração na expectativa e na espera de que a qualquer momento eu serei mãe. Sinto, de todas as formas, que estou grávida. Pode demorar o tempo que for, mas o nosso bebê, que Deus escolheu, será nosso. O que Ele preparou para nós será nosso.

 

Qual mensagem você deixaria para quem vive situação semelhante?

Tem muitas pessoas que estão desesperadas para ter um filho e não conseguem viver esse período de maneira tranquila. A minha dica é: leia sobre o assunto. Visite um lar, se não estiver na fila, abra o coração e veja quantas crianças estão na espera de famílias que podem fazer algo por ela.

Para quem está na fila, se prepare para o momento. Como não sabemos quando essa criança vai chegar, se prepare. Se prepare em conhecimento, que curta enquanto ela não chegue, pois a rotina vai mudar e que realmente, enquanto você espera, que você se prepare para esse momento.

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