“Não sou desempregado e não levo como trabalho; é uma satisfação pessoal e minha fonte de renda”

Conheça a história de vida de Itamar Cristiano Lima de Matos, que vende garrafas de água e pães no semáforo, cativando a todos com seu sorriso e alegria

- GABRIEL BUOSI

Data 14/07/2018
Horário 08:32
Marcio Oliveira - Itamar é reconhecido por motoristas pela simpatia e trajes de garçom para a venda dos produtos
Marcio Oliveira - Itamar é reconhecido por motoristas pela simpatia e trajes de garçom para a venda dos produtos

O nome dele é Itamar Cristiano Lima de Matos, mas você, certamente, não o conhece por esta titulação. Mas agora, se eu lhe questionar sobre a memorável figura conhecida como o garçom do farol, sem dúvidas, aparecerá a imagem de um homem alto astral, alegre e com uma roupa que é de dar orgulho à categoria em que representa. Munido de uma badeja na mão, e produtos com credibilidade, como ele classifica, Itamar passa uma disposição sem igual para a recepção dos diversos motoristas que passam diariamente pela Avenida Joaquim Constantino, em Presidente Prudente.

Aos 50 anos de idade, o garçom do farol se mudou da capital paulista para Prudente no ano de 2004, após o falecimento do pai, e na cidade chegou a trabalhar, por exemplo, como segurança do Prudenshopping e na portaria da Polícia Civil, mas foi no semáforo que ele encontrou a felicidade e, mais do que um emprego, uma ocupação para a mente e um sinônimo de bem-estar.

Na entrevista abaixo você confere a história, desde a infância, do garçom do semáforo, que, na realidade, nunca atuou profissionalmente na área, mas passa uma lição de que a felicidade está na realização pessoal, no fazer o que se gosta e não na busca pelo dinheiro.

O Imparcial: Quem foi o Itamar na infância?

Itamar: Eu nasci na capital do Estado de São Paulo, fui sempre muito calado e acho que isso foi muito interessante e importante, pois o meu silêncio até aproximadamente os meus oito anos me fez aprender muito. Nessa época eu já era atleta, praticava o futebol e não cheguei a me profissionalizar nessa área, porque realmente penso que não era para ser. Após esse período de infância e adolescência, cheguei a ficar por três anos no exército, que foi uma ótima experiência, e entrei na área de segurança com atividades em portarias, monitoramentos e tudo mais. Nesta área eu fiquei por cerca de 20 anos.

E como chegou ao interior de São Paulo?

Os meus pais e meus irmãos se mudaram para Presidente Prudente há muitos anos, então, eu já conhecia a cidade por causa dessa relação deles com o interior. Após este período, o meu pai faleceu e foi quando, em 2004, falei para a minha mãe que se ela precisasse da minha presença bastava ela me ligar que eu daria um jeito de estar por aqui, junto da minha família.

Foi difícil a decisão de deixar a capital?

De maneira alguma, sempre vivi intensamente cada momento e oportunidade que me aparecem e nunca tive dificuldades em enfrentar os diversos desafios, pois acredito muito nas atitudes que devemos tomar e, por isso, não tive problemas. Na época eu trabalhava na CPTM [Companhia Paulista de Trens Metropolitanos], pedi o desligamento da empresa e não foi difícil a negociação, já que aceitaram o meu desligamento. Desta forma, arrumei as minhas coisas e cheguem em outubro de 2004 em Presidente Prudente.

Como foi o início na nova cidade?

Assim que cheguei eu já aproveitei o tempo com minha família, esperei terminar o ano para então começar a procurar por alguma atividade. Foi então que no dia 5 de janeiro de 2005 iniciei os trabalhos como segurança no Prudenshopping, local em que fiquei por aproximadamente quatro anos na área de segurança. Durante esse período me deparei com um processo de separação, momento que me deixou chateado e deprimido, e, por causa desse estresse, resolvi procurar por algo que tirasse esses sentimentos. Como eu trabalhava um dia sim e outro não, comecei a vender garrafas de água nas ruas, isso já em 2006, mas minha intenção não era a de ganhar dinheiro, mas aliviar aquele estresse que estava vivendo.

Foi trabalhoso conciliar as duas atividades?

De forma alguma, eu sou uma pessoa que gosta de estar sempre ativo, pois eu gosto de artesanatos, cursos, gosto de dançar e não queria ficar parado. Assim que comecei a vender as garrafas de água, as pessoas me questionavam muito sobre essa escolha, mas ninguém entendia que eu estava ali vendendo a minha arte, a minha felicidade e não apenas um produto. Entre as diversas atividades, cheguei a abrir um bar em Presidente Prudente, tinha um pouco de tudo, mas eu estava sozinho e começando a ficar debilitado, foi quando pensei em voltar para a área da segurança e fiquei por três anos na portaria da Polícia Civil do município. No término desse período, no entanto, o dono da empresa terceirizada que prestava o serviço entrou em concordata e rapidamente pensei em um plano B, foi quando me veio a ideia de oficializar a venda da água.

Foi neste momento que surgiu o garçom do farol?

Exatamente, eu não queria mais trabalhar para terceiros e então me veio na cabeça o pensamento de usar um jaleco de médico no farol, com a ideia de ser um “doutor água”. Mas durante pesquisas na internet, me deparei, em 2015, com a história de três garçons que atuavam em semáforos em São Paulo, Fortaleza e Goiás, e, por isso, resolvi aprimorar essa ideia e usá-la coma minha arte em Prudente. Iniciei a atividade no dia 23 de dezembro de 2015, mas ainda vi que estava no meu conforto, pois era um farol próximo da minha casa, na Rua Antônio Rodrigues. Desta forma, para sair da zona de conforto, escolhi um novo ponto, onde atualmente estou, e comecei com uma calça preta, camiseta branca e uma gravata borboleta que precise comprar. Ao longo dos anos eu aprimorei as vestes e hoje tenho um guarda-roupa só com as peças, para as mais diversas ocasiões.

Quais são os produtos e serviços oferecidos no farol?

Antes, preciso me programar a partir da informação de que são três tempos no semáforo, sendo um minuto e 46 segundos antes que o sinal verde apareça. Desta forma, consigo receber os motoristas que por ali passam, implantando a minha dança, a minha arte e conseguindo promover a minha alegria no local. Me programo para, por exemplo, ter uma bandeja em mãos, um pano para enxugar a água que escorre da garrafa de água, pois tudo o que você fizer tem de ser feito como se fosse para você mesmo, da melhor maneira possível, e sei que ninguém gosta do incômodo do suor da água. Com o tempo, implantei uma caixinha de som que fica comigo, para que eu não me sentisse mais sozinho, pois as pessoas passam por mim, mas estou sempre sozinho. 

Então é possível dizer que você se sente sozinho nesta ocupação?

Não, colocar a música foi apenas um artifício, uma implantação para aprimorar a minha arte. Como eu não conheço as pessoas que passam por mim, digo que estar sozinho é neste sentido, mas não me sinto desamparado ou sozinho sentimentalmente em momento algum.

Voltando aos produtos, são quantas unidades vendidas ao dia?

Teve épocas que já cheguei a vender 12 fardos fechados de água, novas, puras e com credibilidade, sendo que cada fardo possui 12 unidades. Eu poderia sim continuar vendendo esta quantidade, mas diminui a demanda e acabei incluindo outro produto além da água, que é o pão, pois sei que minha qualidade de vida está melhor e eu não preciso ficar vendendo uma grande quantidade. Atualmente, eu vendo seis fardos de água e para mim é o suficiente. Já os pães, acredito que são cinco caixas com seis pães na parte da manhã e mais cinco caixas de pães na parte da tarde, mas teve época que já cheguei a vender 16 caixas. É como eu te disse, penso que hoje é o necessário e fundamental para mim. Digo isso, pois eu faço meu horário e tenho esse privilégio, pois vejo que as pessoas vivem para pagar contas, no entanto, quando elas entenderem que o dinheiro não deve ser algo sufocante, mas algo que dá prazer, o dinheiro correrá atrás delas.

E como surgiu o pão?

Eu comecei com a água, que é universal, e ganhei minha credibilidade, pois as pessoas veem que eu trabalho com honestidade e com produtos lacrados e novos. Há algum tempo, diante das minhas atividades. a minha manhã estava vaga, comecei a vir com café, mas não com o foco de vender o produto, mas tirar o mau-humor matinal das pessoas e vender a ideia de que o dia de cada um comece ótimo já.  Quando vi que atingi esse objetivo, deixei de lado e voltei apenas com a água. Sobre o pão, eu tenho um amigo que vendia o produto e eu vi que tinha credibilidade e seria um produto que também aproximaria as pessoas, então, resolvi propor para ele de fazer essa parceria, então, dessa forma, atualmente ele é o meu fornecedor. Antigamente, ele fazia a venda dos pães e o negócio ficou desgastante para ele, por isso assumi, e vejo que isso é uma parceria, é meu marketing com a credibilidade do produto dele.

Você já trabalhou profissionalmente como garçom?

Profissionalmente eu nunca trabalhei, mas sou muito observador. O traje de garçom é só para identificação, pois penso que garçom todos nós devemos ser, e garçom é aquele que serve a pessoa, serve o ser humano e não com objetos ou produtos, mas com atitudes. Um exemplo disso é o meu uso da frase “um ótimo dia”, pois o bom dia pode ser apenas uma obrigação, então, essa é a minha forma de viver, sou gentil para mim, para em seguida ser gentil com o próximo. Todos os dias eu venho com a melhor roupa, minha vida é uma festa, e os produtos são acessórios.

Como você distribui os seus horários no farol?

Começo a atividade por volta das 7h e vou até mais ou menos 8h30 com os pães. Já perto das 12h45 passo a vender as garrafas de água e sigo assim até mais ou menos 15h45. Vale lembrar que isso não é um trabalho, uma profissão, eu levo como o meu descanso.

Essa é a sua única fonte de renda?

Sim e está ótimo desta forma. Muitas pessoas me procuraram para oferecer algo, mas não me vendo como um ser humano, mas como fonte de renda, e por isso eu não aceitei, pois eu não vendo produtos, eu passo a minha verdade. Você precisa ter foco na felicidade e não em ganhar dinheiro. Sou muito feliz morando sozinho, mas com a companhia diária da minha parceira de dança e namorada, Ely Rodrigues. Costumo dizer que não estou desempregado, mas não uso como trabalho também. Levo como uma satisfação pessoal e minha fonte de renda.

Nestes anos todos, alguma história te marcou?

Penso que apenas as coisas boas me marcaram, e só tiro proveito de todas as situações pelas quais eu passei. Cada história me marcou de uma forma e me fizeram ser quem eu sou hoje, pois quando você está de bem consigo mesmo, nada te chateia. Sou recebido cada dia de uma forma diferente, mas sei que consigo passar a minha autenticidade e isso facilita para que eu chegue perto de cada um dos motoristas que passam por mim. Minha energia é a minha verdade e o meu sorriso faz com que eu seja bem recebido, e não tem muito que inventar, basta ser quem você é.

Pensa em parar algum dia?

Cheguei a um patamar de desprendimento, pois sei que eu já tive tudo o que eu quis na vida. Os meus maiores sonhos são: acordar amanhã e envelhecer bem, o restante é artificial. Perguntar se vou parar é muito interessante, mas pode ser muito vago ao mesmo tempo. Como podemos imaginar o amanhã se estamos aqui ainda hoje? Mas, se eu pudesse projetar, seria fazer algo para a natureza, gostaria de construir uma casa de vidro, feita de garrafas, pois quero cuidar da terra, pois ela traz energia e você pega sensibilidade da natureza. Propostas eu já tive várias, mas não vejo dificuldades em ganhar dinheiro, meu propósito é ser feliz.

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