“Após 4 anos de Lava Jato, ainda não temos um tratamento sistêmico para a corrupção”

Ao ministrar palestra em PP, procurador da República tratou sobre sua participação na maior investigação contra corruptos e lavagem de dinheiro já deflagrada no Brasil

PRUDENTE - ANDRÉ ESTEVES

Data 22/06/2018
Horário 06:19
José Reis - Deltan: "Precisamos de uma maior participação da sociedade civil "
José Reis - Deltan: "Precisamos de uma maior participação da sociedade civil "

A pedido da UEPP (União das Entidades de Presidente Prudente e Região), o procurador da República, Deltan Martinazzo Dellagnol, esteve no Centro Cultural Matarazzo, em Prudente, na manhã de ontem, para tratar sobre a sua participação na força-tarefa da Lava Jato, a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro já deflagrada no Brasil. Durante sua palestra, o jurista discorreu sobre os resultados da operação, que já está em andamento há quatro anos, e os desafios encontrados para garantir o fim da impunidade sistêmica que atinge o cenário político e empresarial do país.

Em entrevista exclusiva concedida a O Imparcial após o evento, Deltan traça um diagnóstico sobre a corrupção no Brasil, que não está restrita ao âmbito federal, e propõe medidas eficazes para impedir os esquemas de desvios de recursos públicos. Mais do que a atuação da Justiça, o procurador acredita que é a participação da sociedade que garantirá o fim da corrupção – o que só é possível por meio do voto consciente e responsável. Para tanto, defende uma campanha de conscientização que incentiva a escolha de representantes com base em três critérios: passado limpo, compromisso com a democracia e apoio ao novo pacote anticorrupção. Acompanhe nas linhas a seguir:

O Imparcial: Qual diagnóstico o senhor faz a respeito da corrupção no Brasil, principalmente em cidades do interior? Em nossa região, acompanhamos recentemente os casos do rombo de R$ 200 mil na Câmara de Sandovalina e o desvio de combustível do Legislativo de Rosana.

Deltan: A corrupção no Brasil não é um problema da área federal, está espalhado por todo o país. É um problema de capitalismo de compadrio, como alguns estudiosos colocam. Parte da elite econômica e boa parte da elite política se uniram para extrair benefícios e riquezas em prejuízo de toda a sociedade. Algumas pesquisas mostram que a corrupção na base do país é relativamente pequena. O Barômetro Global da Corrupção, da Transparência Internacional, feito sobre a América Latina indica que o Brasil é o segundo país mais honesto do continente. No entanto, quando você coloca as elites nesta conta, o nosso país é classificado como o quarto mais corrupto do mundo pelo Fórum Econômico Mundial. Aquele fenômeno que se identifica de presidencialismo de coalizão, em que existe loteamento de cargos públicos por meio de indicações políticas em troca de apoio ao governo – ou seja, partidos políticos indicam pessoas para cargos públicos em troca do seu apoio ao governo –, existe também nas esferas estadual e municipal na forma de “governadorismo” e “prefeiturismo” de coalizão. Como temos um número muito grande de partidos políticos, a formação de coalizões que permitem a governabilidade, muitas vezes, acaba descambando na compra de apoio político. Vimos esquemas parecidos com o Mensalão em outros lugares do país. Além disso, o esquema básico identificado pela Lava Jato não é um esquema exclusivo da área federal. É um esquema que pode ser assim traduzido: políticos e partidos desonestos colocam em cargos públicos federais, estaduais e/ou municipais, pessoas incumbidas de arrecadar propinas. Uma vez chefiando esses órgãos públicos, fraudam licitações em favor de empresas que concordem em pagar propinas em troca de lucros extraordinários. Isso encontra ambiente para ocorrer nas três esferas. A corrupção está historicamente enraizada e espalhada e precisamos atacá-la em todas as esferas.

O processo de fiscalização e combate à corrupção em cidades do interior é mais difícil do que nos grandes centros?

Em razão do grande número de municípios e pulverização de órgãos públicos, é mais difícil, sim, que órgãos centrais de fiscalização acabem chegando a toda essa rede de distribuição de dinheiro. Por esta razão, é importante o envolvimento de toda a sociedade civil. Um bom exemplo vem da cidade de Maringá [PR], em que o Observatório Social analisa todos os contratos do município antes de serem assinados, apontando potenciais irregularidades. Diante da força da sociedade civil, a Prefeitura costuma não só ouvir as críticas, mas acatar as mudanças sugeridas. Se nós, brasileiros, queremos menos corrupção, não há outro caminho ou atalho. Não adianta flertar com soluções autoritárias porque elas não são a solução. O que precisamos é de envolvimento da sociedade na coisa pública, inclusive por meio da fiscalização.

Quais possíveis soluções e medidas poderiam ser implantadas para erradicar o cenário de corrupção no qual vivemos?

Precisamos de uma maior participação da sociedade civil e de uma reforma nos ambientes político, empresarial e de Justiça Criminal que favorecem a corrupção no Brasil. Para que essas reformas sejam feitas, a sociedade precisa necessariamente se envolver e empurrá-las, pois, segundo um pesquisador sueco, congressos altamente corruptos não aprovam grandes reformas anticorrupção, porque perdem os benefícios e passam a correr o risco de serem punidos. Hoje, existe uma proposta em pauta, chamada Novas Medidas Contra a Corrupção, feita por mais de 200 especialistas sob a liderança da Transparência Internacional, que é a maior entidade anticorrupção no mundo, presente em mais de 110 países, e pela FGV [Fundação Getúlio Vargas]. Com base nas propostas, várias entidades da sociedade civil se uniram em uma coligação denominada Unidos Contra a Corrupção, que incentiva que, em 2018, cada brasileiro vote em candidatos de sua preferência partidária, mas que atendam a três requisitos básicos: passado limpo, compromisso com a democracia e apoio ao novo pacote anticorrupção. O voto consciente é a maior arma que o brasileiro tem contra a corrupção.

O tema de sua palestra ministrada no Centro Cultural Matarazzo foi “Ética e Corrupção”. Qual a importância de levar esse debate aos municípios em pleno ano eleitoral?

Os municípios são o lugar em que as coisas acontecem. Se queremos mudanças – e elas dependem do voto brasileiro e da boa escolha de representantes, a fim de que aprovem medidas anticorrupção –, nós precisamos levar essa ideia aos 100 milhões de brasileiros que não têm esgoto em casa. Isso vai acontecer se conseguirmos uma grande pulverização nos mais diversos municípios do Brasil. Se existe uma espécie de corrente do bem, então é necessário que as pessoas que escutem essa ideia não sejam somente aquecidas por ela, mas se tornem novos focos que incendeiem outras pessoas e entidades por meio desta grande campanha de voto consciente e responsável.

O senhor acredita que a Operação Lava Jato contribuiu para intensificar a crise de credibilidade dos partidos? Quais são os pontos positivos e negativos desta falta de confiança do eleitor nas instituições, Estado e agentes políticos de forma geral?

Existe, sim, uma crise de representatividade no mundo e, principalmente, no Brasil, agravado pela corrupção, que alimenta o cinismo. O cinismo não é só a descrença nas instituições, mas o descumprimento de regras ao se ver que o mau exemplo vem de cima. A revelação de um esquema abrangente de corrupção como a Lava Jato pode ter dois efeitos: o primeiro é fazer com que os eleitores selecionem melhor os representantes, enquanto o segundo, que é um efeito contrário, é carimbar todo candidato como corrupto. Quando todo mundo é visto como corrupto, a questão da integridade deixa de ser um critério de escolha e você passa a escolher o candidato com base em outros critérios. Qual desses efeitos vai prevalecer não se sabe, mas podemos influenciar isso por meio de campanhas de voto consciente. Por esta razão, incentivamos que os leitores entrem no site unidoscontraacorrupcao.org.br, assinem embaixo da campanha e passem a receber desafios para que saiamos da posição de vítimas do passado e dos representantes que não nos representam e passemos a ser autores da nossa própria história ou senhores do nosso destino. Acrescento que outro aspecto negativo é a falta de confiança na democracia, sendo que a única solução para esse problema que corrói a democracia é mais democracia. Não existe atalho.

Quais são os legados que a Operação Lava Jato deixa para o país?

A Lava Jato gera alguns resultados surpreendentes. O maior legado, na minha perspectiva, é o diagnóstico que ela faz, o que nos permite realizar o tratamento. Ocorre que a gente precisa ir para o tratamento. Após quatro anos de Lava Jato, ainda não temos um tratamento sistêmico para o problema. A corrupção sistêmica é comparada ao apodrecimento de maçãs em um barril. Não basta você tirar as maçãs podres. É preciso mudar as condições que fazem as maçãs apodrecerem. Este tratamento pode vir por meio da campanha que mencionei. A conscientização também é um legado da Lava Jato, mas, até determinado momento, eu não tinha uma percepção muito clara desse efeito. Contudo, eu estava conversando com uma psicóloga em Harvard [nos Estados Unidos], que estuda a corrupção, e ela disse que a razão pela qual contamos histórias de príncipes, princesas, bruxas e vilões para as nossas crianças, é porque queremos reforçar nelas o discernimento do que é certo e o que é errado. O que a Lava Jato tem feito nos últimos quatro anos em capas e jornais é justamente reforçar conceitos do que é certo e errado e do que não é admitido para a nossa sociedade.

Conte algo que não sabemos sobre a Operação Lava Jato.

Uma perspectiva equivocada que as pessoas têm é de que a Lava Jato vai mudar o Brasil ou que ela é suficiente para mudar o Brasil, mas isso é um erro. A operação faz o diagnóstico, coloca algumas pessoas na cadeia, mas ela não muda as regras que geram a impunidade sistêmica, nem as regras do ambiente político e empresarial que incentiva a corrupção. Se queremos mudança, precisamos evoluir para o tratamento. Caso contrário, o que a Lava Jato pode significar é simplesmente uma mudança de rostos corruptos no poder e a perda da sua janela de oportunidades para mudanças mais profundas.

 

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