“Ando devagar porque já tive pressa... É preciso amor para poder pulsar... É preciso a chuva para florir”. (Almir Sater). Atualmente não temos tempo para mais nada. Não é assim que você escuta toda a hora: “não tenho tempo!”. Há pessoas que, ao irem aos supermercados, ficam incomodadas por acharem que não estão fazendo nada. E até se escondem ao ver algum conhecido, e pensam que o outro vai pensar que não estão fazendo nada produtivo. Quem falou que ir a supermercados é nada fazer? Já experimentou ficar calma e apreciar as frutas, verduras, comparar os produtos, ler rótulos, olhar data de validade etc.? É muito importante ter consciência do que está comprando e levando para dentro de casa. Mais importante é você saber o que está consumindo.
Acredito que estamos cada vez mais longe de nós mesmos. Estamos pensando sempre: “o que irão pensar sobre nós?”. E não paramos para pensar sobre nós. Como é bom parar um pouco e valorizar o tempo em que não temos nada para fazer. Há pessoas que dizem que se não tiverem nada para fazer, se desesperam. O ócio deveria ser criativo. Caso o ócio não seja criativo, alguma coisa não anda bem. É preciso tempo para o “nada”, para surgir algo. O vazio é preciso e necessário. Mas é preciso dar tempo, um tempo de espera para surgir o “insight”. Assim como os músicos, pintores, escultores, etc., nos ensinam com suas valiosas obras.
Hoje nossas vivências consistem em acelerar, não podemos esperar, somos velozes e furiosos. Ficamos furiosos se deparamos com a lentidão. Ficamos incomodados em sentir dor e angústia. Não podemos sentir dor, temos pressa em resolver rápido tudo aquilo que ficou mal resolvido. Diminuímos cada vez mais os sentimentos de gratidão, amor, saudades, dor, preocupação, lembranças, compaixão, carinho, afeto, enfim, a sensibilidade. Na realidade vivemos uma ausência desenfreada de representações e simbolizações.
Um jovem adolescente mostrou parte do corpo todo cortado por ele mesmo. Estava vivendo um desespero grande e também uma dor enorme por ter perdido alguém. Perguntei por que tinha se automutilado. Respondeu que para evitar aquela dor da separação tinha provocado nele, uma dor maior. Cada vez mais encontramos soluções rápidas e instantâneas para não chegarmos à emoção. É preciso dar significados para o sofrimento. Outro dia estava num velório e alguém disse que achava desnecessário velar os mortos. “Para que? Podia ser diferente, enterrar logo, assim não haveria sofrimento”. Acredito que ainda mantemos certas tradições que são extremamente importantes para nos aproximarmos do nosso ser humano. Cada vez os sentimentos diminuem mais, precisamos expressar e chorar, enlutar e respeitar o tempo da dor.
É preciso entender que há um limite. Há uma realidade e que não podemos fugir dela. Velar nossos mortos significa humanização. Fugir é o que mais fazemos. Quanto mais se foge de experiências de finitude, perdas, separações e de dor, menos possibilidade de maturidade e fortalecimento emocional. Assim permaneceremos numa ilusão e grande inadequação em tolerar frustrações inerentes à vida. Quando passamos a vivenciar realmente a realidade que nos é imposta - que não é fácil - passamos a suportar melhor os conflitos e assim chegaremos ao prazer que também é uma realidade. Além de nos fortalecer e amadurecer. A vida não consiste somente de dor. Prazer também. Um prazer construído e conquistado com as experiências do dia a dia.