"A educação nos Estados Unidos é mais valorizada"

- ANDRÉ ESTEVES

Data 24/03/2018
Horário 11:41

Seis mil oitocentos e setenta e dois quilômetros. Esta é a distância que separa Anderson Santos Carvalho, 35 anos, de Presidente Prudente, município em que nasceu e foi criado. Atualmente, o educador físico vive em Conway, cidade da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, e frequenta a Coastal Carolina University, onde aprofunda seus estudos para a realização de sua tese de doutorado, cujo tema é o desenvolvimento motor de crianças em âmbito escolar.

O prudentino chegou ao continente norte-americano por meio do programa Doutorado Sanduíche, vinculado ao Ciência Sem Fronteiras, de iniciativa do governo federal brasileiro. Em função de sua origem humilde, estudar no exterior nunca esteve nos planos de Anderson, que viu a necessidade de começar a trabalhar cedo para ajudar os pais no sustento da casa. Apesar disso, concluiu a escolarização e ingressou no curso de Educação Física.

Sua experiência enquanto professor de uma escola de Irapuru o fez perceber que queria ir além da graduação. Desta forma, iniciou o curso de mestrado em Piracicaba (SP), para onde viajava todas as semanas ao longo de dois anos. Finalizado o curso, começou a preparação para o doutorado e, em 2015, se matriculou no campus da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto (SP).

Em entrevista concedida por e-mail a O Imparcial, Anderson relata a infância modesta no interior paulista, a mudança de país, sua experiência como bolsista em terras estrangeiras e os planos para a sua vida pessoal e carreira. Confira a seguir a entrevista na íntegra:

 

O Imparcial: Descreva a sua infância e adolescência em Presidente Prudente.

Anderson: Nasci em Prudente e, durante uma parte da minha infância, por volta dos 2 aos 4 anos de idade, fui morar em Pirapozinho. Essa mudança ocorreu devido ao emprego do meu pai, uma vez que o mesmo precisava viajar todos os dias entre essas cidades para trabalhar. Infelizmente, com passar do tempo, a crise no Brasil se agravou e, consequentemente, meu pai perdeu o emprego. Em meio a essa situação, começamos a passar necessidades dentro de casa e decidimos voltar para Prudente. Esse retorno, para mim, foi maravilhoso, apesar de ainda não entender muito bem o que estava acontecendo. Mas, em Prudente, tive o privilégio de construir e consolidar amizades inesquecíveis, que fazem parte da minha vida até os dias atuais. [Na época] minha família e eu fomos morar no bairro Santa Elisa, local importante para minha vida e onde passei os melhores momentos da minha infância. Porém, por volta dos 10 anos de idade, precisei engajar-me no mercado de trabalho para ajudar no sustento da minha família. Ou seja, tinha que dividir meu tempo entre a escola, o trabalho e a infância. Um ponto que acho importante destacar é que, apesar de ter que trabalhar, nunca deixei de estudar e brincar, pois sempre organizei meu tempo para fazer tudo. Na verdade, o trabalho me fez muito bem. Além disso, encontrei uma pessoa muito importante na minha vida, um patrão, que também me incentivou nos estudos. Quero salientar ainda que sempre estudei em escola pública e as escolas em que passei sempre foram muito importantes para mim, exceto as aulas de Educação Física, que não me agradavam. Diante dessas circunstâncias, sou muito grato a Deus por tudo o que vivi em minha infância e adolescência, porque tive o privilégio de crescer com meus pais, minha irmã e um irmão de coração, pessoas a quem sou eternamente grato. Estes foram meus grandes incentivadores durante minha vida. Atualmente, minha família mora no Jardim Humberto Salvador, bairro pelo qual tenho muita admiração e gratidão e lugar de pessoas guerreiras.

 

E como foi seu processo de escolarização e formação superior?

Terminada a educação básica, ingressei no curso superior de Educação Física, pois sempre gostei de atividades esportivas. Quando estava na escola, os professores reduziam esse componente curricular ao jogo de futebol, ou seja, era uma aula muito ruim e sem orientação, com a qual eu nunca concordei, mas não falava nada porque tinha medo da reação dos mesmos. Diante deste fato, quis me tornar professor de Educação Física porque acreditava que poderia fazer diferente. Sendo assim, em 2007, finalizei a graduação. Nesse mesmo ano, fui aprovado em um concurso público na cidade de Irapuru, onde lecionei por quatro anos como professor efetivo de Educação Física e aprendi muito com meus colegas de trabalho, pessoas inesquecíveis. Trabalhar na escola foi uma experiência única, porém, eu queria mais. Dessa forma, me preparei e ingressei no curso de mestrado em Educação Física na cidade de Piracicaba. Optei por ingressar na universidade devido à obtenção da bolsa de estudos que adquiri. Em 2013, finalizei o mestrado e comecei a preparação para o doutorado, uma vez que tinha descoberto o que realmente queria para minha vida. Em 2015, tive o privilégio de ingressar no curso de doutorado no campus da USP em Ribeirão Preto.

 

Como surgiu a oportunidade de fazer o Doutorado Sanduíche e por que a escolha de estudar em Conway?

A obtenção da bolsa ocorreu por meio de uma disputa de edital interno da USP, em que a universidade seleciona os candidatos mais preparados e os projetos mais relevantes dentre todos os inscritos. A opção pelos estudos em Conway se deu pelo fato de conhecer o professor da instituição e o mesmo ser especialista na área de Educação Física Escolar, foco da minha tese. Por outro lado, também contou para essa escolha o fato de, nos Estados Unidos, encontrarmos boa parte dos melhores pesquisadores na área de educação física.

 

Você sonhava em estudar nos Estados Unidos ou aconteceu naturalmente?

Estudar no exterior nunca foi minha meta, pois sou uma pessoa pobre e isso não fazia parte da minha realidade. Por outro lado, meu inglês nunca foi bom e o que aprendi desse idioma foi sozinho e com muito esforço. Diante desse contexto, estar nos Estados Unidos hoje, para mim, é um milagre de Deus! Também sou e serei eternamente grato ao meu professor orientador, que me incentivou muito e, a todo momento, me fez acreditar que seria possível estudar aqui e aprender um pouco mais sobre o inglês na prática.

 

Qual é o tema de sua pesquisa e por que decidiu desenvolvê-la?

O tema da minha pesquisa é “Habilidades motoras fundamentais e nível de atividade física de crianças: um estudo com escolares do ensino fundamental”. Acredito que estudar escolares e, principalmente durante a aula de Educação Física, é fundamental para identificarmos como eles estão se desenvolvendo nos aspectos motores, mentais e sociais. Para isso, é necessário que os professores tenham o hábito de avaliar os alunos no início e durante o ano letivo. Assim, após o diagnóstico, é possível traçar o perfil de cada escolar individualmente e, por meio dessa avaliação, elaborar programas efetivos de intervenção, sempre respeitando as individualidades biológicas de cada um. A infância é o momento ideal para o professor de Educação Física desenvolver o hábito da prática de atividade física junto às crianças e orientá-las sobre a importância dos benefícios em se manter ativo até a idade adulta, a fim de adquirir uma melhor qualidade de vida. Outro ponto importantíssimo é aquele que compete às esferas governamentais (municipal, estadual e federal), que precisam realizar sua parte para que o conhecimento e a vontade do professor em fazer a diferença para seus alunos não esbarrem na falta de condições básicas de trabalho digno para atuar.

 

Como se deu o desenvolvimento do estudo e quais diferenças percebeu entre a educação brasileira e a norte-americana?

No Brasil, minha pesquisa aconteceu em uma escola. Já nos Estados Unidos, ocorreu com crianças da Homeschool, ou seja, que estudam em casa. A diferença que percebi é que a educação nos Estados Unidos é mais valorizada do que no Brasil: os professores ganham razoavelmente bem, têm mais recursos e uma estrutura digna de trabalho. As salas de aula não têm muitos alunos, fator que ajuda o professor a desenvolver uma aula com mais qualidade. Outro ponto que devo destacar e que me deixou muito feliz é que, em 2017, tornei-me membro da Shape [Sociedade de Educadores da Saúde e Educação Física] América, que está empenhada em garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de levar uma vida saudável e fisicamente ativa, principalmente por meio da saúde e educação física nas escolas. Por ocasião dessa sociedade, tive o privilégio de participar do Speak Out! Day de 2017 e 2018. O evento foi organizado pela Shape América e contou com a participação de, aproximadamente, 220 profissionais de Educação Física e Saúde dos Estados Unidos, que se reuniram com os senadores e representantes do Congresso no Capitólio em Washington, DC. Os objetivos deste encontro foram apresentar os benefícios que as aulas de Educação Física escolar podem gerar na vida dos alunos e solicitar ao congresso a aprovação do gasto financeiro previsto pelo governo para a nova Lei Essa [Every Student Succeeds Act], que significa, em português, “Todo Aluno tem Sucesso”. O encontro ocorreu com os senadores e foi possível apresentar melhorias para a educação física desse país. Dessa forma, fiquei muito feliz em fazer parte da história da educação física dos Estados Unidos, dado que o país precisa de ajuda para repensar essa realidade, uma vez que a obesidade infantil aqui é alarmante.

 

Suas contribuições acadêmicas já foram reconhecidas por quais prêmios?

No ano de 2016, participei de um trabalho científico, intitulado “O uso da alometria para estimar massa gorda de jovens púberes”, e o mesmo ficou em primeiro lugar na área de Biodinâmica do Exercício Físico, no 3º Congresso de Educação Física da Região Sudeste, do Instituto Federal Sul de Minas Gerais, campus Muzambinho. Em 2011, conquistei o segundo lugar do Prêmio Ecap [Encontro Científico da Alta Paulista], da Unifadra [Faculdade de Dracena], com trabalho intitulado “Jogos como ferramentas para desenvolver um aluno mais crítico”. Esses prêmios foram incentivadores para minha carreira profissional.

 

Você já está há quanto tempo nos Estados Unidos? Planeja retornar ao Brasil ou pretende continuar sua vida pessoal e profissional no exterior?

Estou nos Estados Unidos desde janeiro de 2017 e minha estadia no país é até julho de 2018. Trabalhar e viver aqui seriam experiências fantásticas para minha vida, porém, não seria justo com o povo do meu país, uma vez que a minha bolsa de estudos vem do governo federal, ou seja, dos impostos que o povo brasileiro paga todo ano. Sendo assim, meu objetivo aqui foi me aperfeiçoar para depois dividir o meu aprendizado com o povo brasileiro. Eu acredito no Brasil e nas pessoas!

 

Quais as diferenças da realidade em Prudente e em Conway?

A principal diferença é quanto à acessibilidade e facilidade em adquirir equipamentos e recursos para o desenvolvimento da pesquisa. O maior choque cultural que percebi aqui foi o fato de as pessoas serem muito mais fechadas que as brasileiras, além da dificuldade que é aprender outro idioma na prática. A adaptação foi tranquila aqui e, rapidamente, me acostumei com o meu local de moradia, a alimentação, o fuso horário etc. A todo momento, tive paz no meu coração e sempre mantive o foco nos meus estudos, apesar de não poder negar que sinto falta das pessoas que amo. Ainda sobre a moradia, ressalto que não tive problemas, pois moro nos apartamentos da universidade e, como aprendi um pouco mais o idioma, consigo conversar com as pessoas tranquilamente.

 

Em algum momento, sua origem humilde dificultou a conquista dos seus objetivos? Sofreu preconceito? Foi subestimado? Acredita que sua trajetória é de superação?

Ser humilde para mim nunca foi um problema! Na verdade, ser humilde é saber o seu lugar, assumir suas responsabilidades, respeitar os outros e se por no lugar do próximo, sem arrogância, prepotência ou soberba, pois, para mim, ninguém é melhor ou pior. Quanto ao preconceito, se eu sofri, não percebi, porque sempre estive focado, tentando fazer o meu melhor naquilo a que me propunha. Sobre minha trajetória de vida, posso dizer que foi de superação sim, pois quem me conhece sabe a minha origem e as minhas inúmeras dificuldades.

 

De que você sente mais falta em Prudente?

Sinto falta de três coisas basicamente: sinto muita falta da minha família e das pessoas que amo, sinto falta do povo e, por fim, sinto falta do clima, do calor de Prudente.

 

Quais são seus planos pessoais e profissionais daqui para frente?

Planos são milhares, porém, no momento, quero aperfeiçoar mais o meu inglês, os estudos aqui e finalizar meu doutoramento. Após o término desse curso, penso em prestar concursos, trabalhar e prestar serviço para a comunidade. O meu maior sonho é continuar sendo feliz e útil à sociedade.

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