Cotidiano

Projeto de morador ensina crianças a plantar na zona norte de São Paulo

  • 13/04/2019 03:35
  • Priscila Gomes
Há quase seis anos, moradores do Jardim Filhos da Terra, na zona norte da capital, contam com uma horta sem agrotóxicos e um serviço de entrega em casa de verduras e frutas. O terreno, que hoje abriga o pomar, estava abandonado com acúmulo de lixo e ratos e faz parte da associação Mutirão do Pobre, organização sem fins lucrativos que oferece atividades educativas. Foi ali que Wagner Gonçalves Ramalho, 39, morador da região que fica no distrito do Tremembé, decidiu aplicar o que aprendeu na universidade e iniciar o projeto Prato Verde Sustentável. “Tudo aqui é sem agrotóxico, fazemos até composteira doméstica com minhocas”, comenta o idealizador. Durante a semana, quem cuida das hortaliças e frutas são crianças e adolescentes da vizinhança e, aos fins de semana, outros voluntários. Wagner explica que semanalmente envia uma lista de produtos via Whatsapp para os vizinhos. A lista está na ponta da língua: cebolinha, espinafre, catalonia, couve, alface, manjericão, hortelã, almeirão, erva cidreira, agrião, capim santo, orégano, escarola, acelga, taioba e salsinha, estão entre os produtos disponíveis. “As pessoas escolhem o que tem e geralmente elas pedem um tempero com folhas e o kit custa R$ 3”, diz. Wagner é ex-aluno do Mutirão do Pobre e, desde que terminou o curso, teve em mente o compromisso de voltar para semear o que aprendeu. “Venho aqui dar aulas voluntariamente duas ou três vezes por semana e aos fins de semana venho ver como a horta está”, conta. “O alimento orgânico ainda é elitizado e o projeto facilita o acesso da comunidade”, opina o agente de promoção ambiental Júlio Thiago Collino, 27, morador do bairro. “Wagner passa a mensagem para as crianças daqui do quanto é importante ter uma alimentação saudável e para a comunidade de que é possível ter uma horta em casa”, diz a gerente institucional do Mutirão, Jailde Dantas dos Santos Teixeira, 54, conhecida como Jady. CRIANÇAS E ADOLESCENTES Os alunos aprendem a identificar verduras e frutas, além de como adubar, plantar e regar. Aquelas que se interessam em cultivar em casa, podem levar mudas e sementes, com o compromisso de cuidar. “Gosto muito de mexer nas plantas”, afirma Luiza Vitória da Conceição Nascimento Rosa, 12, aluna do sétimo ano do ensino fundamental. Ela é filha da dona de casa Maria Vitória da Conceição Nascimento, 47, moradora do Jardim Filhos da Terra. Desde a participação da filha, Maria passou a pensar em ter uma horta em casa. “Aprendi a semear, plantar, e também sobre o cuidado. Não deve deixar muito tempo no sol, sempre tem que regar. É o que mais gosto de fazer, porque se não molhar pode fazer mal pra elas”, afirma Luiza. “A fruta que mais gosto é acerola. E verdura, gosto de todas”. Outra participante é Gabrielly Aparecida da Silva Ribeiro, 12, que admite não gostar tanto de salada. “A única folha que gosto de comer é alface, fora isso gosto de batata, cenoura”, conta. “Minha mãe pega muito no meu pé para ter um prato mais saudável. Lá no projeto tem pé de amora e eu gosto muito. Outra que como também é manga”, explica. A doméstica Maria Aparecida Ramos da Silva, 33, mãe de Gabrielly, diz que a filha tem se preocupado mais com a alimentação. “Esses jovens têm que aprender a comer direito, ter um incentivo cuidar de uma horta, dos alimentos. Quando vamos no mercado ela reconhece as verduras e até explica como cuida”. COMEÇO Desde criança quando ainda era morador de Presidente Prudente, no interior paulista, Wagner já tinha uma horta em casa e era o que mais gostava de fazer. “Ganhei uma pequena quantidade de terra e comecei a plantar. Nessa época os vizinhos compravam verduras comigo”. Quando veio para São Paulo, já no Jardim Filhos da Terra, sentiu falta de ter onde cultivar um pequeno plantio. “Esse projeto nasceu de um mestrado [de gestão ambiental] que será apresentado, mas não queria que ficasse somente na teoria, no papel, o objetivo era fazer a diferença no meu bairro, onde cresci e vivi”. “A frase que me deixa contente é quando um aluno diz que o pai ou a mãe está cultivando uma horta em casa e mudou a alimentação”, explica Wagner. O plantio mudou não só a maneira de comer e a rotina da comunidade, mas abriu a porta de emprego para sete moradores. “Daqui tiro o sustento da minha família”, elogia Márcia Regina, 44, que mora no Vila Zilda. “Antes de trabalhar aqui eu não entendia nada de horta. Era vendedor de enciclopédia, só tinha conhecimento da leitura e de vendas. Nunca peguei numa enxada na vida. Hoje sei fazer canteiro e adubação, composteira, cisterna, parte elétrica”, conta Glauco Ramos dos Santos, 43. Outros cinco participantes atuam no projeto por meio do POT (Programa Operação Trabalho), projeto da prefeitura que tem como objetivo oferecer vaga de emprego para o trabalhador desempregado pertencente a família de baixa renda.