Política

Procurador militar no lugar de Raquel Dodge seria intervenção, diz Robalinho

  • 13/04/2019 04:40
  • FREDERICO VASCONCELOS
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A hipótese de o presidente Jair Bolsonaro indicar um representante do Ministério Público Militar (MPM) para ocupar, a partir de setembro, a cadeira da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, é uma interpretação “fantasiosa”, “sem base jurídica”, diz José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). “Temos absoluta confiança de que o presidente e seus principais auxiliares não embarcarão na tese absurda de propor um Ministério Público Federal sob a direção de um usurpador/interventor externo”, diz Robalinho. Ele considera esse debate “oportunista”, que aposta na origem militar do Presidente, uma tentativa de abrir flanco para ataques ao MPF. A restrição exposta por Robalinho não se limita a eventual pretensão do chefe do MPM. “Tenho certeza de que, se há pretensão de quem quer que seja fora do MPF em ser PGR, não prosseguirá”, afirma. Robalinho é apontado por colegas como pré-candidato à PGR. Em março, a Folha de S.Paulo publicou reportagem sob o título “Chefe da Procuradoria Militar faz lobby para suceder Dodge na PGR”. Revelou que o chefe do MPM, Jaime de Cássio Miranda, deflagrou um lobby junto ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e a todos os senadores para a escolha do próximo procurador-geral da República. Robalinho diz que é amigo de Miranda há 25 anos. Segundo a reportagem, o procurador-geral da Justiça Militar encaminhou ofício ao Palácio do Planalto e a senadores questionando a forma como se dará a sucessão de Raquel Dodge. O documento é datado de 18 de fevereiro. “Desde a Constituição de 1988, apenas membros do MPF ocuparam a Procuradoria-Geral da República. No ofício enviado ao Planalto e ao Senado, Miranda contesta os rituais desse processo. Segundo ele, a Constituição abre margem para argumentações de que qualquer integrante de quaisquer ramos do MPU (Ministério Público da União) poderia ocupar a PGR”. O MPU é formado por MPF, MPM, MPT (Ministério Público do Trabalho) e MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios). A seguir, a íntegra de entrevista concedida por email pelo presidente da ANPR: Pergunta — Como a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) avalia a hipótese de o presidente Jair Bolsonaro nomear um representante do Ministério Público Militar para suceder a procuradora-geral da República, Raquel Dodge? José Robalinho Cavalcanti – Vemos como uma absoluta impossibilidade jurídica e como uma especulação política, com a devida vênia, pouco responsável para com o país. Absoluta impossibilidade jurídica, pois a Constituição é clara e cristalina em que o indicado sairá não das “carreiras” do Ministério Público da União (plural: o MPU não tem uma só carreira, e sim quatro diferentes carreiras, não intercambiáveis) e sim de uma “carreira” no singular. Esta carreira, singular, por outro lado, é, e apenas pode ser, desde logo, muito além de qualquer dúvida, a do Ministério Público Federal, que será chefiada pelo PGR. A não ser que pretenda o MPM —-o que é completo e total absurdo, que aqui se repete apenas para demonstrar o descabimento-— que esta “carreira”, singular, seja a deles, do MPM, ou qualquer outra, o que significaria, necessariamente, e irrealisticamente, dizer que o procurador-geral da República nunca poderia ser do MP. Esta leitura direta e inevitável do texto constitucional, —-única que se sustenta em pé e que tem mínima base jurídica, data venia-— de resto é integralmente confirmada pelo legislador na Lei Complementar 75/93, a qual dispõe, com todas as letras, e espaço zero para qualquer outra interpretação, que o PGR é órgão do MPF, e que preside todas as instâncias internas do MPF. Pergunta – Como são presisidos os ramos do Ministério Público? José Robalinho Cavalcanti – Todos os ramos do Ministério Público brasileiro –o que inclui o Ministério Público Militar– são presididos por membros de suas respectivas carreiras. Já se provou que a Constituição não diz diferente do MPF, e não poderia o fazer, e é, mais uma vez, absurda leitura em sentido contrário, pois não são os membros do MPF dotados de menos prerrogativas ou têm deveres menores do que qualquer outro ramo. Desde 1988, já houve 15 escolhas de procurador-geral da República. Todas de integrantes da carreira do MPF. Mais do que isso: nunca houve qualquer debate ou cogitação efetiva sobre pessoas de fora da carreira para o cargo. Sempre com a devida vênia, a ideia de um PGR do MPM simplesmente não é séria. Por fim, somos, no MPF, como em todo o MP brasileiro, guardiões da Lei e da Constituição. Digo, então, sem qualquer medo de errar –-falando, como me cabe, enquanto presidente da ANPR, em nome de todos os procuradores da República–, que esta interpretação fantasiosa e absolutamente sem base jamais seria aceita por qualquer membro do MPF (ou do Judiciário, ou da sociedade). Pergunta – Essa possibilidade tem sido discutida? José Robalinho Cavalcanti – A hipótese não é considerada, não é discutida, não é admissível. Não por acaso, o próprio presidente Jair Bolsonaro disse em público que o PGR não sairia do MPM. Se há especulações na imprensa e pelo excelentíssimo procurador-geral da Justiça Militar —-meu colega de faculdade e amigo há 25 anos–, isto me parece atender a outros interesses, administrativos, no caso do PGJM, e de enfraquecer o MPF, por parte de outros. Pergunta – O sr. acha oportuno esse debate? Tentar a indicação/nomeação para a PGR é uma aspiração legítima do MP Militar e de outros MPs? José Roberto Robalinho – O debate é inoportuno para o interesse público e para o país, e com o devido respeito, nada há de legitima qualquer pretensão nesse sentido. Não de pessoas que têm compromisso com o país e com o MP brasileiro, como é o caso, eu sei —-e cito nominalmente—-, do PGJM, Jaime Miranda, já o disse, meu amigo há mais de duas décadas, e por quem tenho respeito pessoal inabalado. Da mesma forma, outros membros ilustres e com serviços prestados ao país do MPM. Tenho certeza de que, se há pretensão de quem quer que seja fora do MPF em ser PGR, não prosseguirá. O debate tem como óbvia consequência –-embora estejamos tranquilos em que fracassarão, como sempre, os que assim tentam– abrir flanco para ataques e dúvidas ao MPF e ao PGR. É o caso de se perguntar: a quem interessaria e interessa enfraquecer o MPF em meio às mais duras lutas de combate à corrupção? A quem ajudaria que a representação da sociedade brasileira perante o STF seja colocada em inexistentes dúvidas? O debate, em algumas de suas vertentes, é, isto sim, oportunista, buscando, talvez, apostar na origem militar do presidente da República e de parte de seus auxiliares para uma janela de oportunidades para vaidades corporativas e/ou ataques externos. Trata-se, contudo, de uma análise simplória –-data venia-–, pois, tanto o presidente quanto seus principais auxiliares civis e militares conhecem muito bem o Ministério Público e o Ministério Público Federal. Eles trabalham pelo país, e temos absoluta confiança de que não embarcarão na tese absurda de propor um MPF sob a direção de um usurpador/interventor externo, e ao arrepio da Constituição. Pergunta – Em que medida a indicação de um membro dessa Justiça especial pode comprometer a atuação que tem sido desenvolvida pela PGR? José Robalinho Cavalcanti – Em larga medida, uma remota e hipotética –quase fantasiosa– nomeação de alguém de fora da carreira do MPF para o cargo de PGR prejudicaria profundamente, indelevelmente, o país e as atividades do MPF. A uma, pois não seria admitido, seja interna, seja externamente –por absolutamente injurídico é descabido–, o que levaria à paralisia dos trabalhos e à perda da credibilidade do Ministério Público que representa a sociedade perante o Supremo Tribunal Federal. A duas, porque não há membro ou cargo do Ministério Público brasileiro melhor ou mais preparado em gênero que outro, mas não há dúvida alguma de que as missões, as especializações e as experiências são diversas. No STF, debatem-se matérias constitucionais e penais comuns. São o MPF e seus componentes que agem nos tribunais superiores e, simultaneamente, têm a vivência e a experiência nestas matérias, muito amplas. Na PGR, circulam questões constitucionais e penais, e de tutela, referentes às competências gerais da Justiça Federal e dos Tribunais Superiores. Ora, o MPM age na Justiça Militar e ali transitam exclusivamente matérias penais especializadas. Não detêm qualquer experiência constitucional que não distante e reflexa, e não lidam com nada ou quase nada dos assuntos que são o cotidiano necessário de um PGR e da PGR. E o mesmo se poderia dizer, com os devidos ajustes, de membros de demais ramos do MP da União. Sem qualquer demérito a quem quer que seja, portanto, o prejuízo seria, sim, real, palpável, e abissal. Em uma versão popular, a única hipótese que de fato corresponde ao interesse público, e vai além de mera vaidade pessoal ou corporativa —-data vênia-—, é de “cada um no seu quadrado”.