Exterior

OEA se divide e vira palco de debate sobre existência de golpe na Bolívia

  • 12/11/2019 22:36
  • MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Sem consenso para definir os fatos que levaram à renúncia de Evo Morales, a reunião desta terça-feira (12) da Comissão Permanente da OEA (Organização dos Estados Americanos) mostrou a divisão do órgão e se tornou palco de um debate sobre a existência ou não um golpe de Estado na Bolívia. No primeiro encontro dos 34 estados-membro desde que o líder boliviano deixou o poder, no domingo (10), a delegação do Brasil se alinhou aos EUA contra México, Uruguai e Nicarágua e rejeitou a tese de que estaria em curso um golpe no país vizinho.  Segundo o embaixador Fernando Simas, Morales deixou o poder "unicamente em resposta ao clamor popular" depois do que classificou como "fraude" e "estelionato eleitoral" no pleito de 20 de outubro, mesmos termos usados pelo representante do governo americano no encontro. "O governo brasileiro rejeita inteiramente a tese de que estaria em curso um golpe na Bolívia. A tentativa despudorada de fraude eleitoral maciça deslegitimou ainda mais a figura de Evo Morales, que renunciou unicamente em resposta ao clamor popular", afirmou Simas. A expressão "unicamente" não estava na versão oficial do discurso e foi acrescentada pelo diplomata, de improviso, na hora da leitura do documento. Antes de fazer seu pronunciamento individual, o Brasil havia lido um texto endossado por outros 14 países, que rechaçava os atos de violência que ocorrem na Bolívia e pedia o estabelecimento urgente de um governo de transição, com a convocação de novas eleições "o mais rápido possível." A declaração conjunta, porém, não entrava no mérito de haver ou não um golpe contra Morales no país sul-americano, pois dirigentes de Chile e Peru, por exemplo, estavam reticentes quanto a adotar posturas tão assertivas. Dessa forma, inviabilizaram a construção de uma resolução, medida considerada diplomaticamente mais forte. O embaixador brasileiro, por sua vez, minimizou as divergências dentro do grupo e disse que, desde o começo, discutia-se apenas pontos em comum sobre o fim dos protestos violentos e novas eleições. "Resolução e declaração são documentos distintos. Não era necessário uma resolução para passar essa mensagem." Além de Brasil, Chile e Peru, assinaram a carta EUA, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai, Venezuela e Guiana, a última a entrar no grupo, a poucos minutos do início da sessão. Eles basearam seus argumentos no trabalho da auditoria da OEA, que afirmou haver "contundentes irregularidades" na eleição de 20 de outubro que deu a Morales seu quarto mandato. De acordo com a organização, houve fraude na contagem de votos. "Fazemos um chamado para a definição da Presidência provisória urgentemente e conforme estipula a Constituição e as leis bolivianas e que se dê início à convocação de eleições o mais rápido possível, com garantias expressas de que o processo eleitoral seja desenvolvido com justiça, liberdade, transparência e resppeito à vontade do povo boliviano." Representante dos EUA, o embaixador Carlos Trujillo foi o primeiro a elevar a temperatura do debate. Disse que a democracia da Bolívia estava sendo ameaçada por Morales e o que chamou de resistência do líder boliviano mesmo fora do cargo. Para ele, o golpe foi dado pelo agora ex-presidente que "não quis respeitar a contade do povo" ao fraudar as eleições. Responsável por conceder asilo a Morales, o governo mexicano respondeu. Representante da delegação na OEA, a embaixadora Luz Elena Baños Rivas afirmou que havia uma quebra constitucional na Bolívia que o México definia como golpe de Estado, "o qual rechaçamos veementemente." Segundo Rivas, Morales renunciou buscando "pacificar o país e parar com a violência que ainda não terminou" e que o México respeitava essa decisão, apoiando uma transição "pacífica e democrática." O Uruguai e Nicarágua fizeram coro à tese. O primeiro disse que o que aconteceu com Morales foi "um golpe de Estado cívico, político e militar", enquanto o segundo pediu um pronunciamento coerente da OEA, "seguindo a carta da organização." O objetivo da reunião de emergência era debater o caos institucional na Bolívia, pedir o fim de protestos violentos e traçar alternativas para a realização de novas eleições no país, sob monitoramento da organização.  Além de Morales, renunciaram no domingo (10) o vice-presidente, Álvaro García Linera, o presidente da Câmara, Victor Borda, e a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, colocando a Bolívia em um vácuo de poder com um processo de sucessão presidencial incerto. Nesta terça, a segunda vice-presidente do Senado, a opositora Jeanine Áñez, se proclamou presidente prometendo novas eleições. Mesmo antes do início oficial da reunião de hoje, o encontro revelava divisão entre os países-membro. No fim de semana, a OEA já havia pedido anulação das eleições bolivianas de 20 de outubro e a realização de um novo pleito.  A organização fez uma auditoria que apontou "contundentes irregularidades" na apuração dos votos que, segundo os resultados oficiais, deram a vitória a Morales no primeiro turno por margem mínima 47,1% a 36,5% --na Bolívia, é proclamado vencedor o candidato que tiver ao menos 40% dos votos com uma diferença de 10 pontos sobre o adversário). A contagem dos votos que havia dado a Morales seu quarto mandato foi questionada pelo candidato derrotado, o oposicionista e ex-presidente, Carlos Mesa, e por observadores da OEA, que lançaram suspeitas sobre a lisura do processo e pediram a realização de novas eleições. Morales seguiu a recomendação no domingo, quando anunciou que promoveria novo pleito e renovaria os membros do Tribunal Supremo Eleitoral.  Os protestos, porém, não arrefeceram e os militarem pressionaram o então presidente a deixar o posto. O comandante do Exército, Williams Kaliman, disse que a renúncia de Morales apaziguaria os ânimos no país, o que fez com que o líder boliviano anunciasse sua saída e se dissesse vítima de um golpe de Estado.