Exterior

Guedes e Ernesto divergem sobre condução da política comercial brasileira

  • 24/04/2019 05:20
  • MARIANA CARNEIRO E RICARDO DELLA COLETTA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A condução da política comercial colocou em lados opostos os ministros Paulo Guedes (Economia) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Os dois disputam quem dará a palavra final sobre tarifas de importação e outras medidas de defesa comercial. Com a reformulação dos ministérios no início do governo Jair Bolsonaro, Guedes assumiu o controle da Camex (Câmara de Comércio Exterior). Desde então, a pasta prepara uma reformulação da câmara, que no governo do ex-presidente Michel Temer chegou a ser composta por oito ministros — além da Casa Civil, que comandava o grupo, faziam parte do colegiado Fazenda, Relações Exteriores, Planejamento, Indústria, Transportes, Agricultura e Secretaria Geral da Presidência. Todas as decisões sobre a redução ou aumento de tarifas eram tomadas em conjunto, por votação do conselho de ministros. Mas um decreto publicado no início deste ano passou essas atribuições para a Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, chefiada por Marcos Troyjo. O Ministério da Economia pretende concentrar as discussões da Camex em medidas para aumentar a inserção brasileira no mercado internacional, retirando da pauta do colegiado temas como a definição de tarifas. O argumento de assessores de Guedes é que a centralização dessas definições na pasta é uma ação de desburocratização, uma vez que o processo de tomada de decisões importantes no âmbito da Camex estaria sendo atrasado pela necessidade de agendamento e realização das reuniões de diferentes ministros. A mudança, porém, não agrada o Ministério de Relações Exteriores, que teme perder influência nas discussões de política comercial e defende o retorno do debate ao colégio de ministros. A discordância está empacando a reformulação da Câmara e, segundo pessoas que acompanham o tema, prejudicando o seu funcionamento. Para o Itamaraty, o decreto que ampliou os poderes de Guedes não pode superar a competência prevista em duas leis, a 8.085/1990 e a 9.019/1995. As duas normas determinam a responsabilidade da Camex na definição de alíquotas nas tarifas de importação e também na fixação de direitos compensatórios à prática de dumping por concorrentes estrangeiros. Foram os oitos ministros reunidos na Camex, por exemplo, que decidiram em conjunto não conceder proteção às siderúrgicas brasileiras contra o aço chinês em janeiro de 2018. Mas não é apenas este o motivo da divergência entre Guedes e Araújo. A composição da Câmara também opõe os dois ministros. Ao criar o superministério da Economia, Guedes acumulou tarefas de quatro pastas: Fazenda, Planejamento, Trabalho e Indústria. Três delas tinham assento no conselho da Camex. Segundo interlocutores de Guedes, o ministro pretende reduzir o colegiado para cinco ministérios (Economia, Relações Exteriores, Casa Civil, Defesa e Agricultura). No entanto, Guedes quer que sua pasta tenha direito a dois votos no redesenho do órgão deliberativo da Camex, o que desagrada os diplomatas. Para o Itamaraty, dessa maneira, Guedes ganharia mais poder na composição do conselho de ministros, podendo impor suas opiniões nas discussões colegiadas. Sob essas regras, nos próximos meses caberá ao Ministério da Economia definir como será feita a prometida redução das tarifas de importação para máquinas, equipamentos e bens de informática fabricados no exterior. O tema chegou a ser debatido na última reunião da Camex no fim do governo Temer, mas a redução do imposto para importados emperrou diante da resistência da indústria e da divergência entre os ministros que compunham o colegiado. Dessa maneira, a abertura comercial acabou travada. Guedes vem prometendo desde a campanha eleitoral abrir a economia, com o objetivo de aumentar a eficiência da produção local. Mas, para acalmar a resistência de industriais, tem repetido que pretende fazê-lo de maneira gradual e sincronizado com uma redução do custo Brasil. O processo de redução de tarifas de importação será uma forma de colocar à prova o compromisso do ministro.