Política

Classe política condena ameaça autoritária de Eduardo Bolsonaro

  • 31/10/2019 22:01
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Declarações do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em tom de ameaça sobre a edição de "um novo AI-5" no país provocaram forte reação contrária de líderes do Congresso, governadores, dirigentes partidários de diferentes linhas ideológicas, ministro do Supremo e entidades jurídicas e da sociedade civil. As falas do filho de Jair Bolsonaro foram interpretadas por vários grupos como sinal de pretensões autoritárias e motivou uma tentativa do presidente da República de atenuar as interpretações e negar plano antidemocrático. Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar, nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilidade de um "novo AI-5". O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968 no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos. Eduardo fez a ameaça em entrevista à jornalista Leda Nagle realizada na segunda (28) e publicada nesta quinta (31) no canal dela no YouTube. "Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente vai precisar ter uma resposta. E uma resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada através de um plebiscito como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada", disse, ao tratar da possibilidade de manifestações como as ocorridas no Chile se repetirem no Brasil. Depois, Eduardo publicou vídeo de 2016 no qual Jair Bolsonaro, então deputado federal, exalta a figura do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por tortura e um dos principais símbolos da repressão na ditadura militar. Horas depois, voltou a falar de AI-5, reafirmando que não se permitirá que a esquerda traga ao país protestos que ele considera ser "vandalismo e depredação" e que chegam "a ser terrorismo". Após ampla reação de repúdio da classe política e da ameaça inclusive de processo para cassação do mandato de Eduardo (pedido feito pela oposição), Jair Bolsonaro desautorizou o filho. "Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí", afirmou. "Cobrem vocês dele, ele é independente." O presidente disse lamentar a declaração de Eduardo, mas disse que "qualquer palavra nossa vira um tsunami". "Essa arma [AI-5] não existe, e nem queremos, e nem pretendemos falar em autoritarismo da nossa parte. Eu fui eleito democraticamente, ele foi o deputado mais votado na história do Brasil", disse Bolsonaro na entrevista à Band. Depois de ser desautorizado pelo pai, Eduardo afirmou que "não existe qualquer possibilidade de retorno do AI-5" e que houve uma "interpretação deturpada" de sua fala. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que as declarações de Eduardo sobre um novo AI-5 eram "repugnantes" e deveriam ser "repelidas como toda a indignação" pelas instituições brasileiras. Maia ressaltou ainda que a "apologia reiterada de instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas". Em nota, disse que "o Brasil jamais regressará aos anos de chumbo". O presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) disse ser "um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática". O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), criticou a declaração do filho do presidente. "A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou à Folha de S.Paulo. O presidente do STF, Dias Toffoli, no entanto, silenciou diante das declarações de Eduardo, assim como Sergio Moro, ministro da Justiça. O presidente nacional da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou que, com sua fala, Eduardo deixou claro que a gestão Jair Bolsonaro "quer seguir o caminho do fascismo". Relator no Congresso da emenda constitucional que extinguiu o AI-5, o ex-presidente José Sarney (MDB) afirmou em nota: "Lamento que um parlamentar, que começa seu mandato jurando a Constituição, sugira, em algum momento, tentar violá-la". O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou que a ruptura do modelo democrático era inaceitável. "As instituições funcionam e toda e qualquer ameaça à conquista do Estado democrático de Direito deve ser repelida. [...] O país quer distância dos radicais que pregam medidas de exceção e atentam contra a Constituição", disse. Candidato do PT à Presidência em 2018, Fernando Haddad afirmou que "a única punição cabível" à fala de Eduardo "é a perda do mandato". Ciro Gomes (PDT) disse que "esse bando de lunáticos está ultrapassando qualquer limite". O presidente do DEM, ACM Neto, emitiu nota na qual classifica a fala de Eduardo Bolsonaro como uma "inaceitável afronta à democracia". Os nove governadores do Nordeste divulgaram nota conjunta dizendo repudiar ameaças autoritárias e afirmando que defender a democracia é fundamental para que haja paz no país. A direção nacional do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, emitiu nota na qual, "com veemência", diz repudiar "qualquer manifestação antidemocrática que, de alguma forma, considere a reedição de atos autoritários". "A simples lembrança de um período de restrição de liberdades é inaceitável", diz o texto. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão do Ministério Público Federal, disse que a declaração de Eduardo Bolsonaro não é um fato isolado e mencionou episódios anteriores, como a afirmação de que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal, e o vídeo que mostra a corte como uma hiena atacando a Presidência da República. Após a fala do presidente, parte da ala militar tentou também fazer ponderações. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, declarou: "Por mais imperfeito que seja o sistema democrático, já dizia Winston Churchill [ex-primeiro-ministro do Reino Unido]: 'é o melhor de todos'". "Precisamos buscar serenar ânimos. Não podemos criar fantasmas onde não existe. Opiniões não podem servir para distorcer os fatos ou potencializar diferenças políticas", escreveu nas redes sociais o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O também general Eduardo Rocha Paiva, da Comissão de Anistia do governo federal, disse que o contexto atual do país é diferente ao de 1968. "Só uma convulsão social, com risco de guerra civil e perda de autoridade dos poderes da União, justificaria uma intervenção das Forças Armadas para cumprir a missão de defender a pátria", disse.