Política

Bloqueio de Doria atinge 18% da verba prevista para investimentos em 2019

  • 16/04/2019 13:10
  • CAROLINA LINHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ao anunciar um déficit de R$ 10,4 bilhões nas contas do estado de São Paulo, o governo João Doria (PSDB) decretou o bloqueio de quase R$ 6 bilhões nos gastos previstos para este ano. Mais da metade desse valor (54%) representa despesas que seriam destinadas a investimentos. Com isso, o estado perde 18% dos investimentos descritos no Orçamento para 2019, elaborado pela gestão anterior, de Márcio França (PSB), e aprovado pela Assembleia Legislativa paulista. De um Orçamento de R$ 260,8 bilhões, foram congelados R$ 2,8 bilhões em custeio e R$ 3,2 bilhões em investimentos. Ainda assim, Doria, que é postulante à Presidência da República em 2022, terá R$ 14,7 bilhões para gastar com obras, equipamentos e outros investimentos. Em 2018, o estado empenhou um total de R$ 12,4 bilhões em despesas do tipo. A liberação dessa verba até dezembro está condicionada à eventual venda da Sabesp, estatal de água e saneamento do estado, o que traria receitas novas e aliviaria o caixa do governo. Mas, se a privatização ou capitalização não for concretizada neste ano, diferentes áreas terão que reduzir quase metade do que teriam direito a gastar com novas obras e programas. As secretarias de Saúde, Educação e Segurança Pública, essa última a principal vitrine de Doria, foram preservadas da tesourada. Cultura também, após um recuo. Turismo, Habitação e Direitos da Pessoa com Deficiência estão entre as mais afetadas pelos cortes definidos pela gestão tucana. Investimentos como compra de veículos e trens, expansão do metrô, obras do Rodoanel e Ferroanel, além de repasses a municípios para obras de infraestrutura, podem ser afetados. "Turismo é importante, mas se tiver que decidir entre um novo programa para atrair turista e contratar policial que está precisando em uma região, vamos escolher o policial", afirma o secretário da Fazenda, Henrique Meirelles (MDB). Os demais 46% do valor congelado representam gastos com custeio da máquina pública. Em relação ao previsto no Orçamento de 2019, houve uma perda de 3% nas despesas desse tipo. O argumento do governo é que diminuir gastos da máquina pública possibilita alocar recursos em investimentos, porém, na prática, os dois tipos de despesa foram represados --sendo que proporcionalmente houve maior retenção nos investimentos. "O custeio não teria condições de absorver tudo, então uma parte teve que ser corte de investimento. É a realidade", afirma Meirelles. O valor total bloqueado foi distribuído entre as secretarias, inclusive com a definição exata dos percentuais a serem cortados em investimento e custeio para cada uma delas. A decisão foi tomada conjuntamente por Doria, Meirelles e pelo vice-governador e secretário de Governo, Rodrigo Garcia (DEM). Diante do corte, houve protesto e mobilização, por exemplo, em relação ao Projeto Guri, programa de educação musical gratuita para crianças carentes. Doria, então, recuou e descongelou toda a verba da Secretaria da Cultura, que havia perdido R$ 148,5 milhões (sendo 22% de custeio e 46% de investimentos). A definição de quais programas seriam cortados ficou a cargo de cada secretaria--o bloqueio está em vigor desde 21 de janeiro, quando o decreto foi publicado. Segundo Meirelles, não será necessário um novo decreto para liberar a verba da Cultura. O secretário diz que recuos fazem parte do processo. "Acho notável só ter havido necessidade de ajustar até agora na Cultura", afirma. Para o especialista em contas públicas Gustavo Fernandes, professor da FGV, a situação financeira de São Paulo não é tão preocupante, sobretudo se comparada à dos vizinhos Rio e Minas Gerais. O professor afirma que é tradicional que os governos promovam contingenciamentos nos primeiros meses e que o déficit é usado como discurso para justificar a medida. "Esse é o momento de contingenciamento porque a gente não sabe o que vai acontecer daqui pra frente", diz. "O bloqueio em investimento piora o quadro de obras paradas e de carência de infraestrutura. Mas o bloqueio em custeio tem um certo limite, porque se reduzir demais inviabiliza o funcionamento da máquina pública", completa. O governo Doria diz ter verificado que o Orçamento de França contava com receitas incertas, o que gerou o rombo de R$ 10,4 bilhões. Além do contingenciamento, Meirelles pretende arrecadar R$ 4,76 bilhões no mercado internacional para cobrir o déficit. "A hora que a gente entrou no governo, percebemos um passivo desse tamanho e sem previsão orçamentária", disse o secretário de Desenvolvimento Regional, Marcos Vinholi (PSDB), que era deputado estadual e foi relator do Orçamento enviado por França no ano passado. "O déficit não estava apontado no Orçamento que o governo enviou", justificou o tucano. Maurício Juvenal, secretário do Planejamento de França, diz que não faz sentido falar em déficit orçamentário no início do ano e que, ao diminuir a previsão de receita, "Doria não acredita no próprio governo que montou". "Não era necessário contingenciar, isso é absolutamente conservador", afirma o ex-secretário, lembrando que a arrecadação cresceu neste trimestre em relação a 2018. "Falar em corte e dar incentivos fiscais, fazer renúncia de receita, me parece contraditório." Na Assembleia, partidos de oposição, como o PT, acusam Doria de inventar um déficit para facilitar privatizações. Meirelles rebate os argumentos. Diz que as isenções fiscais ao setor automotivo e ao combustível de aviação, por exemplo, gerarão mais receita. Meirelles diz atuar para que as receitas previstas, como as da Sabesp, se concretizem neste ano, mas não conta com elas. E aponta que o aumento de receita já estava previsto no Orçamento, portanto não se trata de renda extra. O contingenciamento representa 2,3% do Orçamento previsto, de R$ 260,8 bilhões. "Isso é um fato. O estado não tem esses recursos. Se gastasse, ia faltar. Ou você decide pelo contingenciamento de forma inteligente, organizada e racional, ou o contingenciamento vai ser caótico na hora que faltar dinheiro", diz o secretário da Fazenda. Para Meirelles, o bloqueio redefiniu as prioridades segundo o governo Doria, em vez de seguir o planejamento de França. A secretaria de Turismo, por exemplo, perdeu 43% do orçamento total previsto --46% dos investimentos. A pasta terá 37% menos verba do que teve em 2018. Em nota, o presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens de São Paulo (Abav-SP), Edmilson Romão, afirmou que "o turismo é e deve ser encarado como produto de exportação em relação às divisas que deixa no país e vetor de desenvolvimento". Em situação oposta, a secretaria de Habitação, mesmo com 41% de corte, ainda terá orçamento 24% maior do que em 2018, já que a estimativa de França praticamente duplicou a verba da pasta. Entre as campeãs de perdas nos investimentos estão as secretarias de Governo (46%); Esporte, Lazer e Juventude (46%); Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (43%) e a Fundação Parque Zoológico (46%), que está contemplada em um projeto de lei de concessão. O contingenciamento também retira 19% do custeio e 35% do investimento previstos para a Fundação Casa. Em nota, o órgão diz estar se adequando e que o atendimento a adolescentes não foi afetado. A Fundação Casa menciona medidas como "a negociação dos contratos com os prestadores de serviço e a implantação do scanners corporais no acesso a centros de atendimento, o que possibilita a redução do número de vigilantes neste trabalho".