Exterior

Atleta amador, 'Palestine Alqadi' ganha fãs brasileiros ao provocar Bolsonaro e compartilhar memes

  • 18/01/2020 04:30
  • PAULO BATISTELLA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Até então anônimo no Brasil e também na França, onde vive como refugiado, o maratonista palestino Mohammad Alqadi, 29, ganhou cerca de 25 mil seguidores brasileiros no Twitter nas últimas duas semanas sem sequer saber falar português. O alvoroço em torno de seu perfil, "Palestine Alqadi" (@ALQadiPAL), começou após ele ter compartilhado um meme do médico paraibano Arthur Benozzati, influencer digital entre o público LGBT e também conhecido como "Masculynah". Verificado pelo Twitter, com um selo azul comum a celebridades, o perfil de Alqadi leva ainda a bandeira da Palestina, o que chamou a atenção de brasileiros e chegou a gerar confusão sobre ele ser alguma autoridade local. A descrição em seu perfil, em inglês, no entanto, explica: maratonista palestino Mohammad Alqadi. Atleta amador, ele é natural de Nablus, no norte da Cisjordânia, região sob tensão com Israel onde é reivindicada a criação de um Estado palestino. Em Lyon desde 2013, onde vive sozinho, Alqadi passou a usar a corrida, esporte que já praticava em seu país natal, para atuar em prol da causa palestina. Nos últimos três anos, ele participou de 20 maratonas na Europa, carregando ao longo dos 42 km de todas elas a bandeira da Palestina, o que, segundo ele, o tornou conhecido por lá. Nas redes sociais, Alqadi agora se divide entre ativismo e interação com brasileiros. Entre as brincadeiras, há postagens que tratam de temas como o Palmeiras ter ou não um Mundial de Clubes —o que gerou, até a publicação desta reportagem, mais de 65 mil curtidas. "Normalmente, eu ouço meus seguidores, que me explicam alguns memes. Eu também tenho amigos do Brasil para quem eu peço explicações antes de postar algo. Eu amo esse espírito engraçado dos brasileiros", escreve ele à reportagem, em conversa pela rede social na qual virou celebridade. Entre as publicações, também são comuns provocações ao presidente Jair Bolsonaro, próximo ao primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e contestado por países islâmicos por ter sinalizado a intenção de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. A maioria dos países evita representações diplomáticas em Jerusalém, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e cristãos, por estar no centro das tensões entre israelenses e palestinos. O lado oriental da cidade é visto como capital de um futuro Estado da Palestina. O movimento de Bolsonaro se alinharia à política do presidente norte-americano, Donald Trump, que, na contramão da comunidade internacional, fez a controversa transferência da embaixada de seu país em Israel em maio de 2018. No Twitter de Alqadi, há ainda ataques ao senador Flávio Bolsonaro, que, em ocasião anterior, escreveu que o movimento radical islâmico Hamas deveria explodir. Considerado terrorista por Israel, EUA e União Europeia, o grupo havia pedido uma retratação do Brasil após uma visita de Bolsonaro aos israelenses. "Bolsonaro apoia o apartheid de Israel e seu filho está atacando palestinos no Twitter. Bolsonaro apoia Trump, que não respeita nenhum país no mundo. O Brasil é um país grande, que deveria apoiar a paz e ficar longe da guerra", afirma o maratonista amador. Ele ainda diz respeitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por ter reconhecido a existência do Estado palestino em 2010, mas pondera, atento a polarização no Brasil: "Eu não sou brasileiro, então são vocês quem decidem o que é melhor para o Brasil. Eu desejo o melhor nas próximas eleições". Hoje desenvolvedor de software, Alqadi já trabalhou como cozinheiro e entregador de delivery na França. Longe dos familiares, que continuam na Cisjordânia, na região de Jenin, ele diz não ter uma vida plenamente feliz no país que o acolheu, mas afirma, ao menos, se sentir seguro. "A vida na França é dura, mas, como eu disse, a melhor coisa aqui é ter minha liberdade e estar em segurança. Viver sob ocupação (na região da Palestina) é muito difícil, você está em perigo o tempo todo." Inspirado pelo queniano Eliud Kipchoge, primeiro homem a terminar uma maratona em menos de 2 horas e com quem Alqadi pôde ter breve contato em Londres, o atleta amador quer correr 42 km abaixo de 3 horas. A maior meta, no entanto, é completar 100 maratonas ao redor do mundo levando a bandeira palestina. "Eu amo correr e esse é o meu jeito de conscientizar e pedir ajuda para o povo da Palestina", diz o corredor, que, desde criança, sonha em conhecer o Brasil. "Quero correr a maratona do Rio. Espero conseguir ir aí esse ano."