Exterior

Ao participar de marcha antiaborto, Trump entra de cabeça em campanha

  • 25/01/2020 10:15
  • MARINA DIAS
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - Uma das máximas políticas em Washington é que a campanha à reeleição de um presidente dos Estados Unidos começa no dia de sua posse à Casa Branca. No ano em que o líder do país disputa a reeleição, nem se fala. Todo movimento é eleitoral. Nesta sexta (24), Donald Trump, de olho no dia 3 de novembro, tornou-se o primeiro presidente americano a participar da Marcha pela Vida, evento antiaborto realizado em Washington. Manifestantes de todo o país, muitos deles estudantes secundaristas e do ensino superior, reuniram-se num dia nublado na capital americana para o ato, que acontece anualmente próximo ao aniversário do caso judicial conhecido como Roe vs. Wade. A decisão, de 1973, reconheceu o direito constitucional ao aborto das mulheres e legalizou o procedimento em todo o território americano. "Fetos na barriga das mães jamais tiveram um defensor tão forte na Casa Branca", disse o presidente americano a milhares de pessoas, aproveitando para se gabar das políticas que defende e das indicações de Brett Kavanaugh e Neil Gorsuch à Suprema Corte -ambos são conservadores. Presidentes anteriores optaram por não participar da marcha, embora Ronald Reagan e George W. Bush tenham discursado remotamente. Trump participou do evento ao mesmo tempo em que o julgamento de seu impeachment tramita no Senado. Embora não tenha mencionado diretamente o processo, o republicano execrou os democratas por suas políticas a favor do aborto. Recebeu aplausos entusiasmados da multidão em resposta. Entre os apoiadores mais fiéis do presidente estão cristãos evangélicos, fortemente contrários ao procedimento. Por isso, a marcha tinha traços de comício eleitoral, com Trump criticando seus oponentes, enquanto a multidão ecoava "mais quatro anos!". Tornar-se o primeiro presidente a comparecer ao evento conservador foi só mais uma das demonstrações de que o modo reeleição está ligado no volume máximo. Nos últimos meses, o presidente sacrificou de aliados históricos a novos amigos, lançando mão de movimentos que atropelam protocolos e a diplomacia americana. Mal começou o ano, envolveu-se numa quase guerra, ao contrariar conselhos de autoridades do Pentágono e ordenar o ataque que matou o iraniano Qassim Suleimani. O que muitos viram como uma insanidade pode ter sido um aceno ao eleitor republicano mais radical, que admira os rompantes do presidente e veem de maneira positiva seu figurino pouco convencional, de um líder que não se encaixa no grupo considerado globalista dos europeus. Em outros episódios recentes, que envolveram o presidente da França, Emmanuel Macron, e o brasileiro Jair Bolsonaro, Trump confirmou que sua prioridade não é fazer amigos, e sim se reeleger em 2020. Ao discutir com o presidente francês na cúpula da Otan e anunciar que vai taxar o aço e o alumínio que chegam do Brasil e da Argentina, o republicano deu novas proporções a características que marcaram seus três primeiros anos de governo: protecionismo, diversionismo, vaidade e intempestividade. Quando afirmou que Macron foi "muito insultante" ao dizer que a aliança militar liderada pelos EUA se encontra em "morte cerebral" e abandonar a reunião após a divulgação de um vídeo no qual outros líderes mundiais zombavam de suas longas entrevistas coletivas, Trump chamuscou mais uma vez sua imagem no exterior, mas reafirmou o perfil transgressor que agrada a seus eleitores. A base do republicano é formada majoritariamente por homens brancos e pouco escolarizados, além de parte de uma classe média que se sentia abandonada pelos políticos tradicionais. Foram também interesses eleitorais de Trump os responsáveis pelo petardo que atingiu Bolsonaro. O brasileiro precisou entender que a boa relação que gosta de dizer que mantém com a Casa Branca será imediatamente interrompida diante das demandas políticas do americano. Em dezembro, Trump surpreendeu o Planalto e integrantes da Casa Branca ao anunciar, via Twitter, que aplicaria tarifas ao aço e alumínio que chegam do Brasil e da Argentina. A decisão, depois revogada, nada tinha a ver com a política monetária do governo aliado, mas pavimentava um cálculo puramente eleitoral do republicano. Trump sabia que precisava fazer um aceno aos agricultores americanos que têm sofrido com a guerra comercial entre EUA e China. A narrativa do presidente tenta mostrar que não era só a guerra comercial com a potência asiática que atrapalha as exportações em estados considerados chave para a disputa do ano que vem. O que não o preocupa nesses estados é o avanço do impeachment no Congresso. Políticos e especialistas afirmam que esse será apenas mais um elemento que contribui para a polarização em que o país está mergulhado, visto que o Senado, de maioria republicana, deve barrar o processo. Trump, por sua vez, não vai abandonar o habitual diversionismo com novos anúncios que tirem a atenção da investigação que corre no Congresso. O objetivo é tentar mostrar que, enquanto os democratas debatem o impeachment, ele governa o país. No primeiro dia do julgamento do impeachment no Senado, na terça (21), lá estava ele no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, fazendo outro discurso concentrado em assuntos domésticos. Dois dos principais pré-candidatos do Partido Democrata, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, são senadores e estarão comprometidos no julgamento em vez de se dedicarem à campanha nos estados. As primeiras eleições primárias da legenda acontecem no dia 3, em Iowa, o estado dos agricultores insatisfeitos. Ao mesmo tempo em que defende sua aptidão para ocupar a Casa Branca, Trump ecoa a boa situação econômica dos EUA em meio à crise global. O discurso de que o desemprego atingiu o menor patamar dos últimos 50 anos, 3,5%, e que o país cresce 2% ao ano são dois dos seus mantras favoráveis. Ao ligar o modo eleitoral e esticá-lo até as últimas consequências, Trump vai testar a tese convencional de que bons índices econômicos são suficientes para a reeleição de um presidente.