Cotidiano

Alvo de tiros por homofobia na Bahia diz ter medo de sair de casa

  • 01/11/2019 10:54
  • FRANCO ADAILTON
SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) - Sobrevivente de uma tentativa de homicídio motivada por homofobia, após levar quatro tiros na cidade de Camaçari, região metropolitana de Salvador, o ajudante de cozinha Marcelo Macedo dos Santos, 33, diz conviver com o medo de sair de casa depois do ataque. Marcelo foi atingido no braço e no abdômen, após beijar um homem no bar onde estava entre amigos, no último dia 20. Devido aos disparos, perdeu o baço, teve um pulmão perfurado e, por pouco, não entrou para as estatísticas de mortos por homofobia no Brasil. Somente neste ano, 23 pessoas foram assassinadas na Bahia por ataques homofóbicos, segundo o presidente do Grupo Gay da Bahia, Marcelo Cerqueira. A Secretaria da Segurança Pública não discrimina crimes de homofobia nas ocorrências. Marcelo diz que, aos poucos, está se recuperando fisicamente, mas que toma duas medicações para amenizar as fortes dores no corpo. "Eu passei por cirurgia para retirar o baço, usei dreno e sonda. Mas o pior é o medo, por mim, por minha família. Medo do que pode acontecer". O receio maior, diz, é saber que os três agressores, um deles apontado como um policial militar, estão soltos. O trio se apresentou na 18ª Delegacia (Camaçari), foi ouvido e liberado. Responsável pelo caso, a delegada Thais Siqueira, tem dito que só vai se manifestar após concluir o inquérito. A reportagem não conseguiu ouvir os suspeitos. Para superar o trauma, Marcelo tem contado com o apoio da família e dos amigos, que fizeram uma manifestação pública na cidade para cobrar agilidade na investigação. "Esse apoio tem sido fundamental para minha recuperação, que é o principal por agora". Do pouco que se recorda daquela noite, Marcelo conta que tudo começou após uma troca de beijos, seguida por carícias no braço do então paquera, que virou namorado depois do ocorrido. Um dos agressores, então, levantou da mesa onde estava para interpelar Marcelo sobre o gesto. "Ele veio em minha direção, perguntou se eu não tinha vergonha na cara, pois o bar estava 'cheio de pais de família'", disse o ajudante de cozinha sobre os momentos que antecederam primeiro as agressões físicas, depois, os tiros.  "Não estávamos fazendo nada de explícito. Eles também trocaram beijos com as moças que estavam com eles. É a mesma coisa". Depois de ser interpelado, diz, se levantou, o que fez os outros dois agressores saírem da mesa para espancá-lo junto com o terceiro. "Daí eu não consegui pensar mais em nada, a não ser que ia morrer. Tentei levantar depois dos tiros, mas não consegui". Marcelo foi levado para o Hospital Geral de Camaçari, onde permaneceu internado até sábado passado. Foi da unidade de saúde que ele escreveu um desabafo nas redes sociais, que se espalhou pelo país e que passou de 3.300 comentários. "Jamais imaginaria que um simples beijo geraria tanto ódio no coração de uma pessoa que se diz um ser humano", lamentou. "Nunca pensei que um policial, que é quem deveria nos proteger, faria uma coisa dessas". Para o presidente do Grupo Gay do Bahia, Marcelo Cerqueira, crimes como esses refletem o pensamento machista do homem que se julga superior às pessoas que são diferentes dele, quer seja mulher, quer sejam pessoas LGBTQI+. Para ele, o caso ganhou repercussão tamanha a brutalidade dos agressores, diante de uma demonstração pública de carinho não tolerada pelos criminosos, que não aceitaram o momento de felicidade da vítima. "A raiz de toda a homofobia reside no machismo ainda impregnado na sociedade, cujo homem se julga superior às mulheres, às pessoas LGBT, pois, na avaliação dele, essas demonstrações de afeto são uma afronta à sua masculinidade", disse Cerqueira.